sábado, 30 de outubro de 2010

CARTA PARA UM AMIGO

Carlos Dugos
CARTA PARA UM AMIGO

Meu prezado Amigo:

Obrigado pelas imagens que, por e-mail, me enviou. Não entro no jogo da retribuição porque não tenho à mão, nenhuma imagem especial e, se a tivesse, não saberia como fazer-lha chegar. Envio-lhe PALAVRAS que, muitas vezes, também são bonitas!
As palavras dizem, contam, descrevem, ensinam, provam, justificam e explicam. Com palavras podemos fazer muitas coisas às pessoas: prometer, elogiar, bendizer, abençoar, amaldiçoar, ameaçar e ofender. Com elas acariciamos e exprimimos o nosso amor; com elas fazemos mal e projectamos o nosso ódio.
Há palavras que abatem, arrasam, e aniquilam uma pessoa, mas há também as que nos põem em pé, nos sustentam e dão vida. O que elas nos dizem pode acalentar-nos, tornar-nos feliz ou, então, diminuir-nos, empurrar-nos pela ladeira da desventura.

Conheçamo-las e estejamos conscientes do seu poder. Respeitemo-las e saibamos usá-las para que se mantenham como arma dócil e obediente, fazendo exactamente o que queremos que elas façam, procurando que não prejudiquem ninguém.

Apreciemo-las no seu poder e contemplemo-las nos matizes com que se apresentam: há palavras de mutas cores e podem ser proferidas em muitos tons, conforme a alma de quem as diz. Por isso podem ser perigosas, traidoras, revelando aos outros o que não lhes queremos mostrar!

Eugénio de Andrade diz-nos a seu respeito:

São como um cristal,
As palavras.
Algumas, um punhal,
Um incêndio.
Outras,
Orvalho apenas,

Secretas vêm, cheias de memórias.
Inseguras navegam:
Barcos ou beijos,
As aguas estremecem,

Desamparadas, inocentes,
Leves.
Tecidos são de luz
E são a noite.
E mesmo pálidas
Verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escutas?
Quem as recolhe, assim,
Cruéis, desfeitas,
Nas suas conchas puras?

Pois é, as palavras seduzem-nos:
Como o cristal, são duras e, simultaneamente, frágeis e delicadas!
Transparentes e, ao mesmo tempo, conseguem camuflar os maiores segredos do mundo!
Atraem-nos pelo brilho e musicalidade, tal como são capazes de nos devorar, precipitando-nos no mais fundo dos abismos.

Elas são, de facto, no dizer de Eugénio, como um cristal. E, com ele, perguntamos também: - Quem as escuta? Quem as recolhe, assim, cruéis, desfeitas, nas suas conchas puras?

Não dê importância a estas reflexões.

Aceite só um abraço.

Miguel Leitão
in Em nome das palavras

SUFOCO

Victor Silva Barros
SUFOCO

Sinto o coração a sufocar no peito,
Dolorido,
Congestionado,
A estoirar
Com a pressão de afectos
Que se avolumam
E atropelam,
Sem enxergarem a porta de saída.

Aí se amontoam
E permanecem como forças vivas,
Pungentes,
Revoltadas
Que nem condenados
Injustamente encarcerados
Entre grades de prisão.

Sinto o pensamento a emurchecer no cérebro,
Paralisado,
inútil,
incapaz de achar os sons,
as palavras,
os movimentos,
os simples gestos
adequados à saída dos afectos,
à sua expansão na claridade.

Aí lhes seria dado arejar,
Ver o dia,
Respirar a luz da vida e do sol
A que têm direito.

Sinto os olhos negros de cegueira,
Movendo-se,
Em vão,
Numa paisagem opaca.

Olhos negros de cegueira,
Não descortinando ninguém
Cuja presença
E cujo olhar
Desencadeiem o que se vai acumulando em mim.

Ninguém a rasgar uma janela
Que me oxigene por dentro,
A fim de que saia a angústia
E entre a esperança.

É o eterno sufoco:

Como quem tem um espinho atravancado na alma!

Miguel Leitão
in Em nome das palavras

O QUE IMPORTA

Cosme
O QUE IMPORTA

Estão prestes a soar as badaladas da meia-noite,
Mas o Ano-Velho não pode expirar sem
Surgir mais um poema.

Sobre quê? O tema?
Não importa.

O que importa é esta urgência de
Escancarar as janelas da alma e
Deixar sair as emoções que
Escorrem pelas suas paredes já gretadas,
Carcomidas.

O que importa é dar vazão ao que
Se insinua,
Cresce e se avoluma
Cá dentro,
E canta e geme num langor sem fim.

O que importa é deixar sair,
Palavra a palavra,
E escura mágoa de estar só
E sorrir
Ao calor de mãos amigas que se estendem
E nos procuram.

O que importa é desfolhar as roxas pétalas da
Flor do desespero
E acalentar o fúlvido amor,
Bálsamo capaz de içar
E redimir todos os bens que há no mundo.
O que importa é dissipar os fantasmas negros do
Medo de um amanhã sem projecto e
Percorrer os trilhos verdes de
Um futuro com esperança.

O que importa é sanar
A pálida chaga da
Incompreensão,
O cancro do isolamento e atiçar
O diáfano brilho do entregar-se aos demais.

O que importa é arejar a alma,
Libertá-la,
Deixar respirar as paixões
Escutar-lhes o sussurro
E atender ao seu anseio de assomar á luz do dia.

Não importa dizer coisas, contar episódios em que
As palavras tão bem se prestam
A embrulhar,
A aprisionar
E a trazer conceitos
Para construir o mundo em que cada um vive.

Em vez da palavra-coisa,
Da palavra presentificadora do que não estava aqui
E passou a estar,
Importa a palavra-amor,
A palavra instauradora da estima,
Da amizade,
Da confiança,
Da solidariedade,
Da simpatia,
Do bem-querer!
Deseja-se uma poesia de afectos, não de ideias:
Uma poesia mais para sentir que interpretar.
Que as palavras sejam onomatopeias do sentir.

Só assim as relações pessoais ganharão cor
E o coração pulsará com outro ritmo.

Miguel Leitão
in Em nome das palavras

OS POEMAS NÃO TÊM AUTOR

MIGUEL ÁNGEL GONZÁVEZ PAÚL

OS POEMAS NÃO TÊM AUTOR

Tirem o autor aos poemas
Que os poemas não têm autor.

Os poemas são arte e são vida
E a arte é universal
Não tem dono
Nem tempo
Nem lugar
E a vida é também universal
Como o é o direito de viver.

Os poemas não têm autor
E quem os faz pode não ser tão poeta
Como o é o que os lêem e os sentem.

Fazer poemas é materializar,
É tentar construir com palavras já fabricadas
Belezas intraduzíveis;
Fazer poemas é uma técnica
- detestável técnica –
Cega e material como todas as técnicas
E belo é sentir em nós uma verdade mui nossa
E uma emoção bem velada.

Ledos poemas existem para lá dos olhos,
No âmago da alma do povo
- do povo que chora,
Do povo que ri,
Do povo que canta,
Do povo que reza,
Do povo que sofre,
Mas que não sabe palavras.

Eu não quero que o Cântico negro seja de José Régio nem Lisboa revistada de Álvaro de Campos porque realmente não são deles.

Se são,
Que os levem
Que os ensopam
Que os enterrem consigo.

Estes e outros poemas não são de quem os fabricou.
São meus.

Já disse que são meus
E são teus
Que os sentimos
Que os incarnamos
Que os exprimimos caladamente
Porque não temos palavras.

Tirem o autor aos poemas
Que os poemas não têm autor.

Miguel Leitão
in Em nome das palavras

CRIAR MUNDOS

José González Collado
CRIAR MUNDOS

Levemente, e por acaso,
Pouso o lápis no papel e sai um ponto.
Minúsculo,
Imperceptível,
Inútil e inofensivo.

Uma ideia surge a pressionar meu braço e
O ponto vai-se arrastando.

Já não é ponto,
Mas um risco que caminha,
Que volteia,
Que se enrola sobre si e se contrai
Para se distender outra vez
E de novo se soltar.

E ora calmo, ora nervoso,
Ora lento, ora veloz,
Continua o seu traçado:
Desliza, avança, hesita e pára;
De novo arranca, ágil,
Dá um pulo
E retrocede;
Afirma-se, prossegue, repete-se e desdobra-se;
Preenchendo a folha de papel.

Desenho, ou texto?

Tanto faz:
É todo um mundo a surgir!

Miguel Leitão
in Em nome das palavras

PALAVRA AMOR

FERNANDO ALVES


PALAVRA AMOR

Perde-se o amor nas palavras
Que ferem, que matam, destroem.
Perde-se o amor nas palavras
Que são matéria, artifício, invento.

Amar não se traduz por palavras.

Dizer que se ama pode não se amar
Como dizer que se crê em Deus pode não ser crer nele.

Amor não são palavras
Porque as palavras não são nada
E o amor é.
As palavras enganam, deturpam
E o amor é silêncio vivido.

O amor não tem boca,
O amor não tem ouvidos,
O amor só tem alma e mãos para dar.

Se amar fosse palavra,
O articular “amor” duraria a vida inteira!

Miguel leitão
in Em nome das palavras

LETRA A LETRA NASCE O TEXTO

Victor Silva Barros

LETRA A LETRA NASCE O TEXTO

Letra a letra a casar sílabas
Se vão construindo as palavras
- a outra face do espelho
Do nosso mundo mental.

Palavras que ancoram coisas,
Arrastando-as até nós: paisagens,
Homens e bichos;
Casas, cidades, nações,
Montanhas, nuvens e mares,
Alegrias e pesares;
Projectos e aspirações…

Tudo fica à nossa frente
Por milagre das palavras!

Enfileiradas,
Em linha,
Vão-se transformando em frases:
Desejos, ordens, perguntas,
Negações e
Afirmações portadoras da verdade
Por que alguns homens se batem.

Frases que fazem sentido e que
Podem ferir como espinhos
Ou facas em nosso peito!
Ás vezes sabem-nos bem,
Como veludo macio a roçar em nossa pele,
Ou como iguarias de mel
A adoçar-nos a vida!

Juntando-se umas às outras,
Aves de Outono em bandos,
Vão cumprindo o seu destino.

Elevam-se, pairam, volteiam, mas
Fiéis à sua rota,
Acabam por desaguar
Em textos que falam do mundo
Lá de fora e cá de dentro.
(Qual deles mais importante?
Qual deles será mais real?)

Afinal
Todo o discurso:
Vidas descritas, narradas,
Cochichos de amor e canções;
Negociações conversadas,
Louvores e representações;
Sermões pregados no púlpito,
Simples notas de encomenda ou
Cartas comerciais;
Escrituras de notário,
Notícias, revistas, jornais,
Apontamentos diários,
Conferências, actas, lições,
Ciência deixada aos vindouros
Ou saber proverbial;
Poemas saídos do peito
Romances, dramas, comédias…

Tudo tem na sua base
Pequenos trejeitos de boca,
Ligeiros gestos de dedos!

Ar e tinta…
… nada mais!

Miguel Leitão
in Em nome das palavras

PALAVRAS DITAS E NÃO DITAS

António Sampaio

PALAVRAS DITAS E NÃO DITAS

As palavras que dizemos são
Balões soltos no ar,
Forças vivas,
Coloridas,
Flores erguendo-se à luz em tardes cheias de sol.
Pombas mansas de afeição, trazem
Lembranças, recados,
Doces mensagens a alongar a amizade e a
Encurtar a distância entre as pessoas que se querem.

Cortantes, frias, geladas,
As palavras que dizemos,
Às vezes, são navalhadas,
Golpes certeiros de lâmina,
Gume afiado a abrir chagas
Sangrentas,
Incuráveis,
Na alma de quem as ouve.

As palavras que escrevemos são
Velas içadas ao vento,
Barcaças a navegar em rios brancos de papel
E a lavrar em suas águas
Profundos sulcos
Falantes,
Repletos de sentido.

Com as palavras que escrevemos,
O branco rio inexpressivo,
Cinzento,
Abre-se em cor e ganha voz.
Fica com alma
E todo ele é um arraial,
Um alvoroço,
A prenunciar emoções
E aventuras sem limites.

Desobedientes,
As palavras que escrevemos
às vezes perdem o rumo,
Hesitantes, inseguras,
Debatem-se em espirais,
Carentes de significação e de norte:
Dobram-se, enrolam-se,
Contorcem-se,
Volteiam e, sem pujança,
Pairam à deriva,
Ao sabor de tempestades
Que as arrastam, dilaceram e sufocam.

Silenciosas,
As palavras que calamos são
Pólvora seca,
Armadilhas,
Bombas camufladas cá dentro
E prestes a explodir.

As palavras por dizer,
Gritos mudos que abafamos
A queimar em nosso peito,
São emboscadas perigosas.
Como brasas sob cinzas,
São disfarces,
Embustes a encobrir ódios e a
Esconder raivas antigas.
São vulcões adormecidos
A ruminar lavas medonhas,
Escaldantes,
E com a malvadez a trair-se na cratera do olhar.

Há ainda outras palavras,
Ocas, coitadas!
Que nada querem dizer.
Sem cor e sem expressão
São como cestos vazios,
Papel de embrulho enlaçado
Sem conter nada por dentro.

Essas palavras balofas,
Vagidos insignificantes
De quem simplesmente abre a boca
E diz coisas por dizer, são
Um pôr cá fora,
Um desejo para a rua que não afecta ninguém.

Pobres palavras inofensivas que já ninguém
Toma a peito e que…
... nem o vento quer levar.

Miguel Leitão
in Em nome das palavras

LINHA DO MAR

Aníbal Alcino
LINHA DO MAR

Dilato os olhos,
Fascinados!

Percorro o azul que se oferece
Na pureza da ampla curva
Horizontal,
Alongada,
Aberta:

- a fronteira entre o céu e o mar.

Assim teu corpo,
Viola curvilínea,
Fascinante,
Distendida,
Oferecendo-se a meus dedos
Que acendem na noite baladas de fogo,
Baladas de amor:

- a fronteira entre a vida e o sonho.

Miguel Leitão
in Em nome das palavras

VEM PARA A RUA

José González Collado
VEM PARA A RUA

Meu Amor,
Vem para a rua, que
É Primavera e é feriado.
A vida também é tua;
Fechares-te em casa é pecado!

Amor,
Vem para a rua, que
Está bom tempo e
O dia é lindo.
O Inverno é findo e
O casulo que te encerra já
Não é para agasalhar.

Não sentes nas tuas veias
Lufadas de sangue a saltar?
Não ouves dentro de ti
Um impulso natural,
Uma força poderosa
A impelir-te para o sol?

Amor,
Vem ver o
Esvoaçar das pombas no
Azul perfumado de esperança!
Sai da sombra que te envolve e te
Seca as emoções.
Derruba o muro que te cerca e
Entristece e
Embota as ilusões.

Abre os portões do castelo e
Vem espraiar-te cá fora,
Experimentar sensações.
Sorri ao mundo e à vida e
Deixa entrar ar nos pulmões.

Vem dilatar os teus olhos na
Conquista de horizontes, na
Contemplação dos astros, dos
Pássaros e das flores que,
Trepando pelos montes,
Os pintalgam de mil cores.

Vem tomar banho aos regatos,
Partir com rumo às nascentes,
Saciar nelas a sede
E gravar nos teus ouvidos
O canto das águas correntes.

Anda, salta, voa, corre,
Cansa os pés em caminhadas,
Descobre a frescura das ervas que
Ladeiam as estradas.

Tira os sapatos dos pés,
Pisa as pedras da calçada que
O jornaleiro percorre na
Eterna luta que trava.

Segura na terra com a mão e
Aprecia-lhe o odor.

Não lhe notas ainda o cheiro
Daqueles que para terem pão
A regam com seu suor?

Vem provar o mel silvestre,
Morder cerejas temporãs,
Sujar a cara de amoras e dos bagos das romãs.
Põe-te a pé muito cedinho e
Inspira, de madrugada,
O doce aroma dos fetos, do
Rosmaninho, do
Sargaço, da
Alfazema e do alecrim.

Vem, enfim,
Descobrir como é bom
Escutar canções de amor,
Tranquilizar minhas mãos
Frementes de tanto ardor.

Não hesites, vem depressa
Satisfazer teus desejos:
Saber a que sabem meus lábios,
Saber a que sabem meus beijos!

Miguel Leitão
in Em nome das palavras

ANTECIPAÇÃO DA PRIMAVERA

Mari Carmen Calviño

ANTECIPAÇÃO DA PRIMAVERA

Olhar a árvore
e crer que os ramos
se hão-de transformar em flores e em pássaros,

sentir a alma
e crer que a água,
só a água da poesia nos há-de matar a sede

é incarnar a Primavera

e viver o sonho rubro das primeiras cerejas
e do amor que há-de nascer.

TÂNTALO

Victor Silva Barros
TÂNTALO

Era Inverno. Erguia-se o muro do frio.
Eu tinha as asas caídas
E estavam geladas meus passos,
Lançavas-me de longe um sorriso,
O teu sorriso de festa.
E eu, morto de sede, não podia ir bebê-lo. Entre nós
Uma cortina de vazio e de silêncio.

Ó Tântalo,
Há quantos milénios perpetuas teu sofrer?
Porque não te cumpres de vez e esgotas tua pena?

Ainda tenho que ser eu a provar do suplício?

Miguel Leitão
in Em nome das palavras

FALAR DE TI

Nunes Amaral
FALAR DE TI

Como hei-de falar de ti,
Do teu olhar de veludo
E, sobretudo,
Das tuas mãos de cetim
Que ao passearam-se em mim
Pegam rastilho ao meu corpo?

Bruxuleante candeia
Que num mínimo instante
Se alumia,
E se incendeia
E se consome
Em labaredas de paixão,
Para de novo renascer!

Como é que eu hei-de fazer
P’ra poder falar de ti,
Do teu jeito aconchegante,
Do embalo dos teus braços:
Fofo ninho aliciante
Feito pelo seu cingir?

Afagos,
Carícias, abraços,
Trama urdida em doces laços
Que não quero destruir!

Como poderei falar de ti,
Do teu encanto ao sorrir,
Da tua gulosa,
Sequiosa,
Bebendo com sofreguidão?

Lábios rubros de coral,
Dentes brancos de marfim
E os teus beijos!

Oh! Doces beijos de ambrósia,
Néctar divino,
Magia
Que me apraz saborear!
Pródigos,
Quentes,
Molhados,
Dentro da alma forjados
E vindos à luz
Numa boca…
Na tua boca febril,
A escaldar!

Miguel Leitão
in Em nome das palavras

O MEU POEMA

Carlos Godinho
O MEU POEMA

Os poetas
São os patetas,
Uns mentirosos.
Fazem poemas!
Dizem-se tristes,
Sempre chorosos,
Os mentirosos
Dos poetas,
Esses patetas.

Cantam amores,
Mas não sentem
E mentem:
Choram escrevendo,
Riem vivendo,
Os mentirosos
Dos poetas!
Que patetas!

Já fui poeta.
Será que menti?
Cantei flores,
Julguei chorar,
Julguei sofrer,
Julguei amar,
Julguei viver…

Fui um pateta
E não vivi!

Agora não sou poeta.
Já não sei rimar,
Mas tenho um lema
E um poema
Para ti.

Esse poema
Não o escrevi.
Não é feito de palavras!
Não se lê
Nem se escreve
Nem se canta
O meu poema!
Não é p’ra pôr num jornal
Nem é verso de jogral
Nem de segrel
O meu poema!

O meu poema
Á fogo ardente,
É água a correr da nascente.

O meu poema
É grito abafado no peito,
É remexer-se no leito
Em noites de solidão.

O meu poema é vida ,
É guarida
De anseios meus.

O meu poema é calor,
É alimento,
É luz,
É sofrimento,
É fome,
É movimento,
É sede deveras sentida.

O meu poema é magia,
É alegria,
É poesia…

O meu poema…é amor!

Miguel Leitão
in Em nome das palavras

APESAR DO SOL CAÍA FRIO

Novais
APESAR DO SOL CAÍA FRIO

Está a chegar o tempo em que
Te preparavas para ir embora!
Faz agora um ano!
Era Dezembro e havia sol, mas,
Avançando a passos largos, o Inverno
Ia caindo sobre as árvores.

O Natal aconteceu,
Ainda,
E entre nós houve presentes. Todavia,
Ao entregá-los,
As tuas mãos tremelicavam e
Os teus dedos eram frios!

Aquilo que me ofereceste tinha um travo de acidez e
Um odor a despedida!

Piscavam velas no pinheiro,
Mas os teus olhos,
Então baços,
Tinham perdido a luz
E não se reflectiam nas bolas de cor que
Supostamente o enfeitavam.

Pressentia-se que ias partir.
Não tinhas as malas feitas, mas já estavas de saídas!
O que de ti ali restava era
A saturação e o cansaço,
Uma certa agitação,
E uma dose de embaraço!

Estavas ainda lá, mas bocejavas, e
Ansiavas uma lufada de vento
Em que pudesses cavalgar e fugir.
Sair dali,
Partires para longe!

De olhar ausente, exalavas tédio e
O teu sorriso era um esgar,
Pálido esgar,
Um simulacro,
Enjoado e doentio simulacro!

Apesar do sol, era Inverno e estava frio
E tu sonhavas com outro tempo,
Outras paragens,
Novos ares,
Novas marés.

Andava no ar um adeus,
Despedias-te. De mim e
Do Inverno.
Aguardavas o cantar de outras aves,
O florir de primaveras
Que te acenassem promessas
Capazes de te embalar,
Narcotizar e enlouquecer,
De te empurrar
E devolver
Ao teu errante destino!

Miguel Leitão
in Em nome das palavras

DO LADO DE FORA DA PORTA

Carlos Godinho


DO LADO DE FORA DA PORTA

Foi loucura
Ter aceitado o convite
Para entrar no teu jardim.

Não se deseja o que não se ama e o que
Se desconhece,
Mas tu tinhas vestido a pele do
Dragão mítico dos começos
E sabias de cor os hinos da sedução
E do abismo!
Entreabriste o portão e puseste-te a cantar.
A tua voz era de mel e de veludo
E tinhas o fascínio irresistível das sereias!

Encantado,
Dei comigo, embevecido, no teu
Pomar de frutos ignorados e proibidos.

Ao meu dispor, Éden ambicionado
Com todos os atributos de
Realidade sobejamente cobiçada:

O ar, doce e perfumado,
Deixava-se sorver em delirantes golfadas
Que rejuvenesciam a alma,
Inebriando-a até ao sufoco.

Do alto pendiam rosas, buganvílias,
Glicínias e jasmim, estrelas cadentes
A dar luz e cor ao arvoredo
De que escorria sombra fresca e acolhedora.

Límpido e brilhante serpenteava,
Por entre a navegação,
Um regato de águas claras e suaves,
A cantarolar de pedra em pedra.

O seu murmúrio
Caía cá dentro como
Um convite a lavar os nossos corpos e a
Matar todas as sedes!

Havia o canteiro das especiarias
Em que a inebriante intensidade de exóticos aromas
Fazia adivinhar o aliciante prazer de afrodisíacos manjares.
E eu provei as excelentes iguarias
Que a tua pródiga mão me estendeu.
Fruí todos os paladares,
Ficando a saber qual é o sabor da aventura e da vertigem.

Mas, ai!
Chegara a hora
Da condenação e da catástrofe!
Na outra mão,
Escondida,
Empunhavas a velha espada de fogo
E mantinhas intacta, ainda,
A memória dos rituais da expulsão.

Os teus gestos foram graves
E os teus ácidos dizeres,
Cruéis,
Souberam a fel e a veneno.
Todo o meu ser estremeceu e, então,
Os meus olhos entreabriram-se.

A catástrofe era iminente:
Deambular despojado e nu,
Empobrecido e só,
Eternamente,
Mitigando a dor e o desespero
Do lado de cá dos portões
Que manténs sempre cerrados!

Miguel Leitão
in Em nome das palavras

TEMPO DO AMOR

Carlos Godinho

TEMPO DO AMOR

Fervilhava em ondas o teu sangue e
Velas enfunadas te percorriam as veias,
Empolgando-te os gestos e as palavras.
Dos teus olhos saltavam chispas de fogo:
Estrelas a aquecer-me a alma e a
Iluminar clareiras que eu,
Dócil, percorria,
Em cata das bandeira com que
À distância me acenavas!

Tudo isto era verdade quando existir
Era uma festa e tomavas parte nela!

Era o tempo do amor!

Era no tempo em que o chão se vestia
De malmequeres e de junquilhos
E em que catadupas de girassóis e de
Mimosas se desdobravam em
Labaredas doiradas
Que engalanavam a vida,
Procurando alindá-la como a uma virgem,
Tímida,
Em vésperas de noivado!

Era no tempo em que a tua voz era
Uma lira dedilhada pelo vento, e em que
As palavras deslizavam com
A pujança de um ribeiro de
Desejo e de loucura!

Era no tempo em que os nossos gestos
Estavam certos e
Desenhavam voluptuosas promessas,
Configuradoras de sonho e de futuro!

O teu corpo era um vulcão, as
Tuas mãos e o teu peito, então, queimavam!

Mas o que era fogo extinguiu-se e
A torrente do teu rio paralisou.
Estrangulada,
Calou-se a música da tua voz, agora
Reduzida a sons inócuos,
Destituídos de sentido.

Eu não queria que as coisas
Se tivessem passado assim,
Como se ao amor fosse sol de trovoada
A ocultar-se atrás das nuvens!

Miguel Leitão
in Em nome das palavras

É TEMPO DE SEMEAR

Angelina Gomes


É TEMPO DE SEMEAR

Este odor intenso
Tomou conta do ar
Prenuncia a primavera.

Até mim
Chegam mornos bafejos e
Saborosas lembranças:
Outras primaveras
E a tua presença juvenil.

Teu porte altivo,
Tua força indomável,
Teu garbo airoso e pujante.

O ar cheira a sémen
E a terra é uma dádiva a
Pedir semeadura.

Teu corpo selvagem distende-se,
Carente de lavradio.

E o arado dos meus dedos,
Que o amanham,
Desenham sulcos,
Hasteiam bandeiras e
Fazem soar hinos de prazer a
Anunciar a festa.

Miguel Leitão
in Em nome das palavras

SECURA

Carlos Gosinho
SECURA

Tenho sede
e a praia não tem água.

Já nem é praia.

É um deserto
desde que os teus gestos quedaram
e o mar dos teus braços secou.

Miguel Leitão
in Em nome das palavras

RENOVOS

Carlos Dugos

RENOVOS

Vieste a cavalgar numa aragem de sol e
Derrubaste os muros que me
Cercavam no meu
Quintal quotidiano.

De repente fez-se dia.

Ergui-me e
Percorri trilhos de luz
E de promessa.

Do chão surgiram esperanças
E todas as primaveras floriram.

Miguel Leitão
in Em nome das palavras

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Paisagem

Mari Carmen Calviño
PAISAGEM

No perfume da ventania
levanta–se um inconfundível aroma
a maresia banhada em Natal!
Caem as pinhas chorosas,
parindo pinhões
em rabanadas de gritos,
que naqueles terrenos arenosos,
se enterram aflitos!
Os pássaros lavam -lhes os gritos
o oceano as emoções
e o olhar do mar
em histeria,
condena aquele dia
de paisagens ganhas,
a pátios encantados,
adoçados em vinho e mel!

Maria Olinda Sol
lido por Rui Coelho Santos

Descoberta do Brasil

Júlio Pomar
Descoberta do Brasil

Eram marinheiros alentados
de cabelos compridos
e olhos claros,
partiram de Belém,
arregimentados, por vezes à força,
para carregar na úbere Índia
mil açafates de especiarias
e todas as magias sonhadas
em madrugadas pardas
de dias amanhecendo nevoeiro!
Num dia venturoso de 1500
arrastados por ventos alísios
e ainda alguns avisos
de adamastores e outros torpores,
viram terra mais cedo que o previsto!
Homens despidos , pintados
e armados de arcos e setas,
com ruídos guturais agudos,
saudaram as lusas naus,
e ofertam papagaios e algum ouro
para selar o tesouro
de futuras trocas e baldrocas!
Esses marinheiros matreiros,
recolheram as ofertas
para as apresentar no regresso
com o preciso espavento
a El-Rei D. Manuel I
E dali seguiram o seu destino
depois de baptizar a terra ardente
de seu nome Vera Cruz,
passando à frente,
rodeando o oceano,
meteram o barco nas rotas
que os haviam de levar a Calecute!
Comandava a frota Pedro Álvares Cabral
que dali partiu com alento
para trazer do Oriente
naus carregadas com pimenta
e canela,
pérolas brancas e frias,
sedas coloridas e porcelanas finas,
perfumes com asas de vento,
chás e outras infusões
que nas solidões das venturosas viagens
aquecerem mil e um corações!

Maria Olinda Sol
lido por Constância Nery

Rio Douro

Onofre Varela
Rio Douro

Rio desta saudade em meu redor
Bailado das marés da minha infância
Margens do meu Agosto e do calor
Com estes anos todos à distância.

Rio do meu olhar modificado
Na margem onde o sonho toma banho
Neste corpo que sou quando sonhado
É tudo que me resta e o que ganho!

Rio desta saudade muito minha.
Irmão do sentimento que me vem
Saudade aqui sentida e não sozinha
Que quero sem roubar nada a ninguém.

Rio desta verdade recordada
Nos olhos a pairar perto de mim
Saudade desta mente embaraçada
Rio do meu sentir perto do fim.

No Douro onde nadei perto do tempo
O tempo todo da minha criancice
Jogando à bola sempre a favor do vento
Do tempo alegre que a saudade disse!

No Douro onde nadei já só me banho
No Sol do passado que ainda é quente
Quando olho para ele pareço um estranho
O rio é o mesmo eu é que estou…
                                  Diferente!!!

Silvestre Bastos, in Porto em Poesia
dito por Jorge Vieira

11.

Jordi
11.

Foi encontrada no cais
muito p’ra lá da manhã
com uma rosa de sangue
no casaquito de lã.

Foi encontrada no cais
donde sonhava partir
como um pardal degolado
que já não pode fugir.

Tinha dois seios pequenos
tinha dois olhos de mar
tinha dois braços morenos
abertos de par em par.

Tinha nos pés os segredos
de cada pedra do cais
tinha um coração com medo
por ser coração a mais.

Foi encontrada no cais
muito p’ra lá da saudade
é um desperdício mais
na lixeira da cidade.

Foi encontrada no cais
onde a morte a encontrou
antes de ir longe de mais
no barco que não parou.

Rosa Lobato de Faria
Dito por Maria Lourdes dos Anjos

COMO QUEM FAZ ESCULTURA

Alberto d' Assumpção

COMO QUEM FAZ ESCULTURA


Constrói-se o poema
ao jeito de quem faz uma estátua.

É necessário uma ideia forjada no coração,
para que o impulso da emoção
ilumine, incendeie,
entusiasme,
dê cor e forma àquilo que se quer fazer.

Decide-se então o material
em que a ideia há-de encarnar
e ganhar corpo:
o barro, o granito, o bronze…
ou as palavras.

Palavras…

… nunca ao acaso,
mas seleccionadas
entre os inúmeros milhares
da reserva vocabular da língua.

… eficientes,
prestando-se a traduzir
aquilo que vai cá dentro,
e se quer compartilhar.

… e têm de se harmonizar,
de se afeiçoar umas às outras,
encaixar-se,
equilibrar-se,
evitando aliterações,
hiatos,
repetições,
cacofonias desajeitadas.

Fazer poemas
é pôr em pé estátuas de liberdade e de palavras,
em que as correcções
e os amiudados retoques
dão a sensação de um eterno recomeço.

E o poeta não desiste. E persiste.
E não se cansa,
nem descansa
enquanto não der fé no poema
daquela musicalidade a romper
e que há-de aconchegar os ouvidos

               como água de um ribeiro,
               o cantar do rouxinol
               ou o riso da criança!

Miguel Leitão

BOTÕES DE PUNHO

Carlos Dugos
BOTÕES DE PUNHO


Mesmo que de madrepérola,
de osso, vidro ou marfim
o botão cosido ao punho
é corriqueiro,
sempre um objecto banal.
Útil,
necessário,
mas não conseguindo ir além
de mero serviçal
de uma peça de vestuário.

Sem ter existência autónoma
nem vida própria, pessoal,
vive em função da camisa
a que está agrilhoado,
sem outra razão de ser
que não seja
a de lhe manter
o punho abotoado.

Não conhecendo liberdade
nem margem de movimentos,
está preso à fatalidade
de morar em pobre casa
e de não poder sair,
nem sequer por uns momentos,
do punho da humilde manga
daquela peça de vestir.

Para além da escravatura,
-- horizonte dos seus dias --,
corre o risco de afogamento
se a camisa vai a lavar,
ou de grave queimadura,
se alguém a engomar.
E não consegue sobreviver
à peça a que foi costurado,
e esta se rompe e se acaba,
ou se o dono a põe de lado.

O fim que lhe está reservado
é ser jogado no lixo
e, mesmo aí,
continuar acorrentado
ao velho trapo,
esquecido e abandonado,
por estar fora de serviço.

Distinto, com categoria
é o clássico botão de punho
feito de prata,
de ouro branco ou amarelo.
Pode ser de fantasia,
mas com pedra a reluzir
de tal jeito
que apregoe a toda a gente
a “classe” de quem o usa:
um aristocrata perfeito,
não a fingir,
mas a sério,
um “gentleman”
um verdadeiro senhor.

Dotado de autonomia,
é independente da roupa que alinda
e, a fim de se instalar
conforme é de seu querer,
são postas ao seu dispor
não uma, mas quatro casas
para se poder mover.

Aplicado em punho duplo
nos pulsos de um cavaleiro
é apreciado por si,
pelo que é
e pelas suas qualidades
-- a elegância que possui,
a beleza que encerra,
o material que o constitui,
mais que o valor em dinheiro.
Depois,
no caso de uma herança,
pode ter ainda outro mérito:
o de ter sido pertença
de um cidadão emérito
ou de alguém
a que se queria muito bem.

Por isso é sempre estimado,
e dotado
de vida longa,
sobrevivendo às gerações.

Tenho um par aqui ao pé,
em caixa desconjuntada
que retiro da gaveta
forrada
a estopa ou pano de linho.
Abro religiosamente a caixa,
com cuidado
e com carinho,
como quem espreita uma relíquia
ou um objecto sagrado.

Alinhados,
dentro dela,
e a fitar-me, esbugalhados,
aí estão eles, que nem olhos:
dois lindos botões prateados,
enfeitados
com uma pérola amarela.

Eram o luxo de meu Pai,
nos seus tempos de rapaz
e de galã.

Mas certo domingo,
de manhã,
anunciava o sino a missa,
aproximou-se de mim,
era eu moço pequenino,
e, com um doce beijo na testa
aplicou-mos na camisa
a fim de eu poder brilhar
no primeira comunhão!


Que importante me senti,
que ufano,
que crescido,
que vistoso figurão
no meio dos outros meninos!

Passei mais tarde a usá-los
sempre que era ocasião,
em dias santos, dias de ano,
em reuniões, solenidades,
acontecimentos mundanos
e encontros sociais.

E quem ficava vaidoso
e quem se orgulhava mais
não era eu,
mas meu Pai.

Cá estão eles a olhar para mim
com ares de repreensão
por os ter aqui retidos,
completamente esquecido
de os passar,
como seria meu dever,
a meu Filho,
rebento jovem
de outra e nova geração.

Miguel Leitão

Avé Porto

António Ameneiros
Avé Porto


Salvé, ó Porto! Velho Porto Antigo,
Que já não és só nosso, és Mundial!
Nosso orgulho por ti não tem rival,
Pelos sem-voz, eu te bendigo!

Velho Senhor, atento e sempre amigo
Da honra e da justiça por igual,
Da plebe audaz, invicta e leal
Sempre ao teu lado, a lutar contigo.

Em regosijo repicaram sinos,
- Saudosos sons dos tempos de meninos –
Enchendo o ar com vozes de cristal…

Eu te saúdo, ó Porto, com carinho!
E aqui te auguro: - sempre em teu caminho
Serás farol, luzeiro em Portugal!

Maria Ramajal Jorge, in Porto em Poesia
dito por Jorge Vieira

Outras Violências

Sara Garrote (Chuca)
Outras Violências


Olha-me nos olhos, em silêncio, com calma
Abre, para mim, a janela da tua alma.
Agora diz-me, mãe: achas que eu mereço
Sempre que te convém, ser arma de arremesso?
Por quê? Porque me fazes sofrer?
Porque te vingas e me proíbes de o ver?
Que fiz mãe, diz-me o que fiz
Para não me deixares ser feliz?
Será que ainda não conseguiste entender
Que sou gente e não um objecto qualquer?!
Pára. Não me tentes manipular
Dá-me espaço e tempo para pensar
Se o vosso amor, precocemente, acabou
Se, de repente, o nosso lar se desintegrou
Eu quero continuar a ter Pai e Mãe
Amo um e amo o outro também.
Quero sentir-vos, os dois, a meu lado
Mesmo sabendo que sois um casal separado
Tenho direito a ser feliz, a ser criança
Não admito servir como reles vingança
E não me ameaces nunca, nunca mais
Com polícias, juízes e tribunais
Porque apenas sei que ninguém quis saber
Que a vossa liberdade se fez à custa do meu sofrer
Também não voltes a perguntar qual dos dois eu amo mais
E, por favor, poupem-me da guerra das visitas quinzenais
E até aquela conversa: ele que pague porque tem obrigação
Faz-me pensar que apenas ou um Imposto de Circulação.
Estou cansado de tanto egoísmo, tanta cegueira
Só peço que me amem, cada um à sua maneira.
Tu, mãe, a quem confiaram o poder paternal
Não faças da minha vida, um tempo quase infernal.
E tu, pai, não te esqueças das vezes que adormeci
Chorando a saudade imensa, de estar longe de ti
Se vocês fizessem ideia do peso do meu sofrer
Percebiam porque desejo, para vos magoar, morrer!
Os filhos não guardam sempre este verbo infantil
Crescem e de repente são bandos de delinquência juvenil
E porque não têm raízes nem laços de união
São a revolta que vagueia nas celas de uma prisão
É urgente soletrar, devagar, algumas palavras
Família, tolerância, sacrifício, humildade
Pai, Mãe, amor, futuro, felicidade
É urgente repensar, diferentes formas de amar.

Maria Lourdes dos Anjos
in Poetas de Sempre
(Antologia)

Deus Guarda o Porto

Pilar López Román
Deus Guarda o Porto


O povo tripeiro é pouco de “religião”.
Respeita os seus santos
E o lugar onde estão.
Tira o chapéu ao passar na igreja.
Dá a esmola p’ras almas
E faz uma reza p’ra matar a inveja.
Na Trindade, na Sé, Lapa ou Bonfim,
Cheira a incenso, alfazema e alecrim.
Na renda de pedra e na talha de cada altar,
Ouve-se o cinzel e o formão a cantar.
Em qualquer igreja deste meu Porto,
Deixo-me envolver no seu silêncio penetrante
E ouço os Santos pedirem-me, baixinho,
Que não lhe reze, mas que lhes cante.
O povo do Porto pouco sabe de religiosidade
Mas acredita que Deus há-de guardar
A sua Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta Cidade.

Maria Lourdes dos Anjos

As folhas mudam a cor

CARMEN TORRES - MAROÑO


As folhas mudam a cor


Espero-te à minha janela
Quando ao chegar, tu me olhas
Eu vejo a manhã mais bela
Vejo sorrirem as folhas.

E à tardinha, ao sol por
O jeito com que me olhas
Tem tal ternura e calor
Que tinge de rubro as folhas

O olhar com que me olhas
Muda assim a cor das folhas!


É por subtil sentimento
Que, em sua tela, o pintor
De momento para momento
Dá às folhas outra cor

No dia em que tu partiste
Ainda que só um minuto
Toda a terra ficou triste
E as folhas vestiram luto

A emoção com que as olhas
Também muda a cor das folhas!

É no Outono da vida
Já a caminho do fim
Que as folhas por despedida.
Vão de castanho ao carmim.

Inverno arrasta tristeza
A vida perde o fulgor
E a árvore da Natureza
Perde as folhas, perde a cor

Mas a emoção com que as olhas
Consegue dar vida às folhas!

Maria Augusta Silva Neves
27.9.10

Um poema

Rosa Elvira Caamaño

Um poema


eu escrevi um poema
para mulher que eu nem sei quem é
e nem ela sabe quem eu sou

eu escrevi um poema
para uma mulher triste
rosto marcado por rugas precoces

eu escrevi um poema
para uma mulher que eu nem sei quem é
sei apenas que é triste
e tem o rosto marcado por rugas precoces

eu escrevi um poema
para uma mulher que nem sei quem é
e nem ela sabe quem eu sou
mas é uma mulher triste
rugas precoces no rosto
e uma criança nos braços
a sugar-lhe o seio murcho

eu escrevi um poema triste
para uma mulher triste
que estava sentada num degrau da escadaria
da catedral da sé de são Paulo
com uma criança nos braços
a sugar-lhe o seio murcho

eu escrevi um poema triste
que não vai mudar a vida dessa mulher triste
sentada num degrau da escadaria
da catedral da sé de são Paulo
e nem da criança que ela tem nos braços
a sugar-lhe o seio murcho

a mulher triste nunca vai saber quem eu sou
nunca tomará conhecimento
do meu poema triste
uma mulher triste como tantas mulheres tristes
que habitam o lado mais triste do país

eu escrevi um poema triste
para uma mulher triste
que nem sabe o que é um poema

Júlio Saraiva (S. Paulo/Brasil)
dito por Jorge Sousa Braga

Os Amantes

Porfírio Alves Pires
Os Amantes


Desde que Magritte pintou os amantes, estes como por magia deixaram de ter rosto. Nos jardins, nos cinemas, no bulício das ruas é frequente ver agora homens e mulheres sem rosto, abraçados.

Todavia, tudo não passa de um equívoco. Sem dinheiro para pagar aos modelos, Magritte optou por cobrir com um lençol o rosto inacabado dos amantes.

Jorge Sousa Braga

Figurações

Alberto Ulloa

Era uma vez um país
embolado a navegar
no alto do seu nariz,
e à beira de naufragar.

Um país de tiranetes,
de santarrões no altar,
de barões, de baronetes,
de validos, de valetes
por aí a desfilar;

um país de figurões
carregados de negaças,
onde os galos e os capões,
a mando dos passarões,
arreganham ameaças;

um país de sectários,
de falsários, de falsetes,
de caciques, de sicários,
cães de fila, mercenários
e de espirra-canivetes;

um país de saltimbancos,
de palhaços, bailarinos,
de tartufos, e de tantos
morcegos e olhimancos
à caça de gambozinos;

um país de gente fina,
gente de fé, impoluta
que tresanda e peregrina
entre a vénia e a verrina
com a língua mais hirsuta.

E o país de virotes,
fura-vidas, fura-bolos,
de fariseus, de zelotes,
de volteios e pinotes
e chuva de molha tolos,

bruscamente acometido
pela febre e pela aragem,
perde o pé e o sentido:
entrega o oiro ao bandido:
e é fartar, vilanagem!

Um fartão de pesporrências,
destemperos, desconchavos,
de mordaças, de impudências,
e de pardas eminências
de um bando de patos-bravos.

Neste país de opereta,
o regente, sem batuta,
segue a toque da trombeta,
dos fagotes, da veneta
de grandes filhos… / da pauta.

Era uma vez um país
levantado à beira-mar
a sacudir a cerviz
e com pernas para andar.

Domingos da Mota

sábado, 9 de outubro de 2010

Buganvília

André Semblano

Buganvília
(Portimão – Algarve, 2009)

Na varanda da sala há o meu recosto,
Há um ninho de andorinha ao abandono
Lento e quente passou o mês de Agosto
A buganvília, cor de mel, exala Outono
No céu branco-opaco, cor da nostalgia
Voam gaivotas sem rei nem dono!
Os contornos das coisas se esbatem por magia!
A buganvília, cor de mel, exala Outono

A folhagem verde-acastanhada
Acolhe os passaritos para o sono
Eu vou ouvindo ao longe a chilrear
A buganvília, cor de mel, exala Outono

Neste recanto envolto em poesia
A meus pensamentos me abandono
E a buganvília faz-me companhia
Nas tardes calmas deste meu Outono

Maria Augusta da Silva Neves
in Turbilhão de Emoções

Amor à Portuguesa

Sandra Honors

Amor à Portuguesa
(Liubóv’ po-portugál’ski)

A noite, como uma chaga, inundou-se de luz.
As estrelas olham com olhos de prisão,
e nós ali sob a ponte Salazar
à sua sombra negra como breu.

O ditador prestou-nos um serviço,
e como ele não está ali connosco,
emigramos com os lábios de visita
desta terra desditosa.
Sob a ponte de betão e medo,
e com um nome tão autoritário,
os nossos lábios eram dois países
onde nós os dois éramos livres.
Eu roubo, eu roubo a liberdade
e basta um só momento de roubada
para eu ser feliz,
sem censura a minha língua pecadora.

Mas no mundo, onde mandam os fascistas,
onde os direitos de todos são pequenos,
ficam umas pestanas compridas,
e debaixo delas um mundo diferente.

Mas, vestindo a gabardina fina,
mostrando-me o anel no dedo,
uma portuguezinha diz: porque choras?
Eu não choro. Já chorei tudo.

Dá-me os teus lábios. Aperta-me e não penses.
Eu e tu, minha querida, somos fracos
debaixo desta ponte, como de um cenho duro
duas lágrimas que o mundo não vê…

Yeugeny Yevtushenko (Rússia)
dito por Jorge Sousa Braga

POESIA NA GALERIA: EXPOSIÇÃO DE PINTURA DO GRUPO INTERNACIONAL SERVIU...

POESIA NA GALERIA: EXPOSIÇÃO DE PINTURA DO GRUPO INTERNACIONAL SERVIU...

EXPOSIÇÃO DE PINTURA DO GRUPO INTERNACIONAL SERVIU DE PANO DE FUNDO À EDIÇÃO DE 2 DE NOVEMBRO DA "POESIA NA GALERIA"




Jorge Vieira
Jorge Vieira
Jorge Vieira
Rui Coelho Santos
Rui Coelho Santos
Rui Coelho Santos
Rui Coelho Santos
Artur Santos 
Artur Santos


Artur Santos
Artur Santos
Artur Santos
Miguel Leitão
Miguel Leitão
 Miguel Leitão
Miguel Leitão
Miguel Leitão
Miguel Leitão 
Maria Lourdes dos Anjos
Maria Lourdes dos Anjos
Maria Lourdes dos Anjos
Maria Lourdes dos Anjos
Maria Lourdes dos Anjos
Maria Lourdes dos Anjos
Maria Lourdes dos Anjos
Maria Lourdes dos Anjos
Maria Lourdes dos Anjos
Maria Lourdes dos Anjos



Maria Augusta Silva Neves
Maria Augusta Silva Neves
Maria Augusta Silva Neves
Maria Augusta Silva Neves
Maria Augusta da Silva Neves
Domingos da Mota
Jorge Vieira
Jorge Vieira
Jorge Vieira
Constância Nery
Constância Nery
Contância Nery
Contância Nery
Contância Nery
Contância Nery
Contância Nery
Miguel Leitão
Carlos Andrade com Maria Augusta Silva Neves
Carlos Andrade
Carlos Andrade com Maria Augusta Silva Neves
Carlos Andrade com Maria Augusta Silva Neves