sexta-feira, 29 de julho de 2011

No cais dos anseios


No cais dos anseios
ficam apenas
ermos barcos
de rumos incognitos
e redes com sonhos abortados.
No cais dos anseios
ìmpias as amuradas
jà exaustas ,pelo ciclo
das estaçôes
debruam o pasmo
do inerte desencanto
em horas desprovidas
de inòqua  realidade
e povoadas de solidâo.
Enquanto a brisa,susurra
aos ouvidos de toda a gente
que o frio da nostalgia
lhe morde a epiderme.
Kim Berlusa

PALCO


PALCO

Quando surjo no palco da vida,
o espectador fica expectante,
não sabe se sou actor principal,
palhaço ou figurante!


Quando rio não faço rir,
quando choro não me levam a sério,
não sabem se sou tenor
ou menino de coro!

A vida é um palco.
o resto é maquilhagem,
com muito,
muito pó de talco!

Nem sempre um fidalgo,
-com muito pó de talco-
que vai em rica carruagem
iguala do cavalo a linhagem!

A vida é um palco,
com muito,
muito pó de talco!

Silvino Taveira Machado Figueiredo

À PAZ


À PAZ

poderia escrever-te palavras de momento,
palavras, só palavras, nada mais.
mas não.
no meu sentir, entrego-te meu sentimento
orando, para na vida sermos todos iguais.

bela em ti mesmo como a primavera,
desejada ardentemente no sofrer,
és no espaço uma pomba singela,
num mastro, sinal de amor p’ra se ver.

voando ou acenando quero-te viva,
semente a crescer em todo o peito,
sem reis de ventos mas flores de brisa
com o perfume do amor perfeito.

Teresa Gonçalves
in “pleno verbo”

quinta-feira, 28 de julho de 2011

PLANÍCIE


PLANÍCIE

Esta forma de ver como eu sinto
a planura,
a lisura do homem que eu quero que exista.

Esta forma de ver como eu sinto
o amarelo e a luz
e o vermelho da terra
e da carne
e do sangue
e do grito que abafa cá dentro.

Esta forma de ver como eu sinto
é ver planície por dentro,
é sentir
em mim a abrasar
o fogo que a ressequiu.

Esta forma de ver como eu sinto
é nostalgia,
é saudade: Salamanca lá atrás,

          a frescura, o oásis,
          a festa, o capricho,
          a arte,
          o sonho da minha infância

a sobrevoar a vida.

Esta forma de ver que é da alma
 e que os olhos ajudam
dói,
mas faz viver e dar conta da vida.

Esta forma de ver como eu sinto
não é ter olhos na alma,
mas alma que chega a eles.
      
Miguel Leitão
in "Em nome das palavras"

QUE IMPORTA?

QUE IMPORTA?

Que importa a vida se eu não sei viver
conforme eu sei que vive toda a gente
e se eu não sei, infelizmente, ser
o que outros são: tranquilo e indiferente?

Tenho as tristezas que é costume ter,
porque elas surgem para toda a gente,
mas também tenho muitas a nascer
que a ninguém nascem, muito certamente…

E enquanto os outros buscam disfarçá-l’as
com gozos e alegrias e matá-l’as
cobrindo-as com champanhe e com amores

eu fico-me a cismar nas minhas penas
e se elas por ventura são pequenas,
pensando nelas, fazem-se maiores!...
         
Oliveira Guerra
in "Algemas"

quarta-feira, 27 de julho de 2011

COLORIDAS FOLHAS

COLORIDAS FOLHAS

Folhas!
Tamanhos múltiplos,
Distintas espécies denunciam.
Desenvolvimentos diversos,
Tal a evolução de cada vivo animal ser,
De bebé, criança,
A jovem, adulto, velho, caduco.
Nas folhas,
Desmaiadas cores,
O declinar da vida anunciam.
Coloridos graciosos,
Alegria do inicio exibem.
Tal multicolor salteado,
Em qualquer ser,
A aura evocam,
Tal como um arco-íris,
Que do céu vindo,
Em paz,
À terra se reúne.

Vivas folhas,
Próprio cheiro,
De uma vida, aromas.
Perfume doce,
Suavidade tudo invade.
Já ácido perfume…
Histórias, outras contam,
Contrariedades, até,
Em estranhas visíveis reentrâncias.
 Mas… a simplificada leveza,
Sempre à natureza retorna!
Tal como brancas folhas,
Das páginas de um livro cativas,
Onde nova história se recomeça,
E um diferente final,
Reescrever se pode.
Distinta fase,
Ao sabor do vento,
Secas folhas voam,
Sem mágoas,
Sem atrás volverem,
Não se importando,
Que logo, logo,
Novas folhas renasçam!
Cristina Maya Caetano

No totem do tempo


No totem do tempo
persiste a ruptura
e as lágrimas soltas
à tona dos olhos.
Persiste a palavra
já calcificada
nos ossos dos lábios
O sonho perdido
no resto do sono
de uma noite que è
ainda criança.
No totem do tempo
assaz escultura
ruge a verdade
bem incrustada
e contemplativa
na imensa textura
que se chama, vida .

Kim Berlusa

POEMA SECRETO


POEMA SECRETO

Há um poema secreto
desde o Big-Bang,
desde que Deus registou sua identidade,
cada verso está em cada estrela,
em cada planeta,
as rimas são em constelações,
os versos andam por aí,
secretos, dispersos
e formam teoremas,
infelizmente,
à Terra não chega luz suficiente,
para lermos esse poema secreto,
apenas se olha para as estrelas,
para a Lua,
para outros planetas,
mas,
para para ler esse poema secreto,
continuamos ceguetas!
não temos luz!
embora,
não falte quem se julgue iluminado,
mas não passa duma sombra,
que na sombra tomba, por certo,
e o poema continua secreto!
............xxxxxxxxxxxxx.............
Autor deste original e inédito;
Silvino Taveira Machado Figueiredo
(Figas de Saint Pierre de Lá-Buraque)
Gondomar

Não valia a pena esperar


Não valia a pena esperar, ninguém viria
que nos segurasse a cabeça e nos pegasse nas mãos!
Estávamos sós e essa solidão éramos nós;

Era indiferente sabê-lo ou não,
Ou gritar (ou acreditar), porque ninguém ouvia:
O grito era a própria indiferença.

Presente, apenas presente;
a memória, presente;
a esperança, presente.

E, no entanto, houvera um tempo
em que tínhamos sido talvez felizes,
quando não nos dizia respeito a felicidade,

e em que tínhamos estado perto
de alguma coisa, maior que nós,
ou do nosso exacto tamanho.

Como um animal devorando-se
por dentro de si mesmo,
consumira-se, porém,

o pouco que nos pertencera; os dias e as noites;
a certeza e o deslumbramento; a cerejeira e a
palavra «cerejeira» ainda em carne, na jovem boca.

Nenhuma beleza e nenhuma verdade que nos salvasse,
nenhuma renúncia que nos prendesse
ou nos libertasse, nenhuma compaixão que

nos devolvesse o ser,
ou o mesmo,
ou fosse a morada de algo inumano como um coração!

Nenhuns passos ecoavam no grande quarto interior
nenhumas pálpebras se abriam
como poderíamos não nos ter perdido?

Entre 10 elevado a mais infinito
e 10 elevado a menos infinito,
uma indistinta presença impalpável, na indiferença azul,

sós,
sem ninguém á escuta,
nem a nossa própria voz.
       
Manuel António Pina
in “ Os Livros”
lido por Fernanda Cardoso

A POBREZA DOS OUTROS


A POBREZA DOS OUTROS

O padre que, na infância, nos dava a catequese pregava a pobreza no púlpito mas, fora dele, tinha vinhas e senhorios e dizia-se que pagava as jornas mais avaras da região. Um dia em que apareceu com um carro novo, um Taunus azul escuro, o Américo, filho do taberneiro, pôs-lhe uma inocente questão teológica: porque é que Cristo andava a pé ou de burro e não de automóvel? O padre António ofendeu-se; respondeu que burro era ele, Américo, porque no tempo de Cristo não havia automóveis e que, se houvesse, Cristo teria um carrão. Nesse dia, a catequese foi sobre o pecado da
inveja e o Américo teve que prometer que se iria confessar.
Ocorreu-me esta história ao ler na DN que o Papa virá a Portugal (três horas de viagem) num avião adaptado para lhe assegurar o máximo conforto. “O espaço ocupado pela 1.ª classe terá um quarto com cama para o Papa, outro para o seu secretário pessoal, uma casa de banho, uma casa de banho com chuveiro, um salão social e até uma pequena capela”.
            Aprendi a lição do padre António e não duvido de que, se no seu tempo houvesse aviões, Cristo também andaria com cama, salão social e capela trás de si.
                                          
 Manuel António Pina
                                   in “Por outras Palavras”
mais crónicas de jornal
lido por Lourdes dos Anjos

terça-feira, 26 de julho de 2011

O QUE ME VALE


O QUE ME VALE

O que me vale aos fins de semana
é o teu amor provinciano e bom
para ele compro bombons
para ele compro bananas
para o teu amor teu amon
tu tankamon meu amor
para o teu amor tu te flamas
tu te frutti tu te inflamas
oh o teu amor não tem com
plicações viva aragon
morram as repartições

Manuel António Pina
lido por Ana Pamplona

SE


SE

Incógnita? Interrogação?
Esta palavra real
Procura? Ou afirmação
Seu significado total

O se sempre me diz
Que na verdade há ficção
Intrínseca em sua raiz
Profunda nessa questão.

Mas o se pode ser esperança
De uma causa conseguida
Ao acontecer será bonança
Como o prolongar da nossa vida.

Se eu pudesse viajaria
Nesse cosmos apaixonante
O se me levitaria
Para uma paz tranquilizante

Interrogo-me? O se tem mesmo valor
Tem resposta para tudo
Coeso sem nenhum pudor
Ficar por vezes tão mudo.

Se cantasse se amasse com paixão
Se sofresse com o stress da dor
O se me traria a ilusão
De ser um eterno conquistador.
                             João Pessanha

JUNTO À ÁGUA


JUNTO À ÁGUA

Os homens temem as longas viagens,
os ladrões da estrada, as hospedarias,
e temem morrer em frios leitos
e ter sepultura em terra estranha.

Por isso os seus passos os levam
de regresso a casa, às veredas da infância,
ao velho portão em ruínas, à poeira
das primeiras, das únicas lágrimas.

Quantas vezes em
desolados quartos de hotel
esperei em vão que me batesses à porta,
voz da infância, que o teu silêncio me chamasse.

E perdi-vos para sempre entre prédios altos,
sonhos de beleza, e em ruas intermináveis
e no meio das multidões dos aeroportos.
Agora só quero dormir um sono sem olhos

e sem escuridão, sob um telhado por fim.
À minha volta estilhaça-se
o meu rosto em infinitos espelhos
e desmoronam-se os meus retratos nas molduras.

Só quero um sítio onde pousar a cabeça.
Anoitecer em todas as cidades do mundo,
acenderam-se as luzes de corredores sonâmbulos
onde o meu coração, falando, vagueia.          
                         lido por Alzira Santos

É PRECISO


É PRECISO

É preciso ficar aqui, entre os destroços,
E cinzelar a pedra e recompor a flor.
É preciso lançar no vazio dos ossos
A semente do amor.

É preciso ficar aqui, entre os caídos,
E desmontar o medo e construir o pão.
É preciso expulsar dos cegos dias idos
A insónia da prisão.

É preciso ficar aqui, entre os escombros,
E libertar a pomba e partilhar a luz
É preciso arrastar, pausa a pausa, nos ombros,
A ascensão de uma cruz.

É preciso ficar aqui, entre as ruínas,
E aferir a balança e tecer linho e lã.
É preciso o jardim a envolver as oficinas:
É preciso amanhã.
             António Manuel Couto Viana,
                   in “Nado Nada, 1977”
      Lido por Miguel Leitão

CÂNTICO NEGRO


CÂNTICO NEGRO

“Vem por aqui” – dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui!”
Eu olho-os com os olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: “Vem por aqui”?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí…
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos…

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios…
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “Vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí.
                    José Régio
        Declamado por Maria Teresa Martins Nicho

sábado, 23 de julho de 2011

Poema de homenagem a Manuel António Pina


Particularmente, neste dia
eu sinto-me lisonjeado
por estar presente, nesta galeria
tão nobre e ilustre convidado.

Nunca fora um almocreve
de políticos, ou governantes
e tudo aquilo que escreve
são temas sérios e relevantes

Poeta, cronista e prosador
de substrato literário elevado
foi por mérito o justo vencedor
do prémio, com que foi  agraciado.

Este nobre e ilustre convidado
é  um homem de plenas convicções
e é um privilégio ter aqui sentado
MANUEL ANTÒNIO PINA
galardoado ,com o Prémio Camões....
Um abraço deste seu simples amigo.

Kim Berlusa

PRAGAS COM PRÉMIO

PRAGAS COM PRÉMIO

            Grandes ou pequenas, todos nós já rogamos pragas a algo ou a alguém que não gostamos. Mas, poucos serão os que confessam ter já praguejado com o que gostam. Eu, por vezes, com o meu Sporting e não só…

            Exemplificando melhor: - Compro de segunda a sexta, a crónica do Manuel António Pina, que traz como oferta o “Jornal de Notícias” e logo que pego nele, maquinalmente olho para a última página, leio o “Por outras palavras” e deliciado com mais uma lição dobro o jornal.

            De quando em vez, um cantinho  diz-me que por motivos de saúde a crónica não será publicada, e é aqui que sai praga:
            - Oh, pá, este Pina só devia adoecer aos fins de semana e mesmo assim de quinze em quinze dias, por causa da crónica no “Notícias Magazine”.
            Uma vez por ano, o mesmo cantinho anuncia-me que o autor da crónica que me anima e alerta, vai estar ausente em férias, nova praga me sai de imediato:
            - Férias (?), com esta crise! Depois o “JN” queixa-se que as vendas baixaram. Este Pina, já devia saber que o pessoal sem a crónica dele durante um mês é o mesmo que ter um GPS espanhol, andamos á deriva!

            - Confesso que só houve um dia em que a falta do “Por outras palavras”, não me fez rogar qualquer praga, até fiquei satisfeito, foi no dia em que a crónica deu lugar à notícia de que o “Prémio Camões” tinha sido atribuído ao Manuel António Pina. Nesse dia li logo “o jornal do Pina”, termo usado pelo Fernando Alves, na crónica “Sinais”, da TSF sobre a atribuição do prémio.

             Finalizo com a informação de que esta crónica, não seria publicada no “JN”, por exceder os mil e duzentos caracteres. O que quer dizer que até nisto do poder de síntese o Pina é muito bom!


eduardo roseira
(Ao Poeta Manuel António Pina com admiração.)
Porto, 18 de Junho de 2011
Homenagem da Galeria Vieira Portuense
lido por Lurdes dos Anjos

A FERIDA


A FERIDA

Real, real, porque me abandonaste?
E, no entanto, às vezes bem preciso
de entregar nas tuas mãos o meu espírito
e que, por um momento, baste

que seja feita a tua vontade
para tudo de novo ter sentido,
não digo a vida, mas ao menos o vivido,
nomes e coisas, livre arbítrio, causalidade.

Oh, juntar os pedaços de todos os livros
e desimaginar o mundo, descriá-lo,
amarrado ao mastro mais altivo
do passado! Mas onde encontrar um passado?

Manuel António Pina
in “Os Livros”
lido por Leonor Reis

A POESIA VAI


A POESIA VAI

A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
- Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? –

Manuel António Pina
in “Poesia, Saudade da Prosa”
lido por Maria Lourdes dos Anjos

UMA PROSA SOBRE OS MEUS GATOS

UMA PROSA SOBRE OS MEUS GATOS

Perguntaram-me um dia destes
ao telefone
por que não escrevia
poesia (ao menos um poema)
sobre os meus gatos;
mas quem se interessaria
pelos meus gatos,
cuja única evidência
é serem meus (digamos assim)
e serem gatos
(coisa vasta, mas que acontece
a todos os da sua espécie)?
Este poderia
(talvez) ser um tema
(talvez até um tema nobre),
mas um tema não chega para um poema
nem sequer para um poema sobre;
porque é o poema o tema,
forma apenas.
Depois, os meus gatos
escapam de mais à poesia,
ou de menos, o que vai dar ao mesmo,
são muito longe
ou muito perto,


Manuel António Pina
in “Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança”
lido por Maria de Fátima

sexta-feira, 22 de julho de 2011

KIM BERLUSA


Nâo sei se há um poeta em mim
nem nunca o irei saber
sei é que sinto um frenesim
que me impele a escrever.
Eu nâo sei bem porque escrevo
pois é algo inexplicável
mas embrenho-me no enredo
desse mistério insondável.

Nâo sei se há um poeta em mim
porque um poeta é um mundo
que sem ter principio nem fim
É elevado e profundo.
O poeta com seu olhar
vê tudo para alem do óbvio
tem a paz no respirar
e nâo faz odes ao ódio.
Mas com todo este frenesim
que me impele a escrever
nâo sei se hà um poeta em mim
nem nunca o irei saber..
KIMBERLUSA

AGITADOR


AGITADOR

Nesse tempo oferecíamos sonhos ao domicílio
Tocávamos harpa nos labirintos da vila
Dedilhando com amor as caixas do correio

O ar aparafusava a nossa emoção
Em distintos silvos de comboio
E a amizade toda de mão na mão
Nesse tempo encarava a vida sem desdém
Desfolhava os panfletos em papel de seda
Vestidos de arco-íris e esperança.

O homem que punha a liberdade nas caixas do correio
Era o anjo nocturno da cidade
era o tempo do rio nos lavar a cara
nas auréolas do sono e da luta

já não tínhamos medo porque tínhamos razão
acordávamos nos outros uma ideia nobre
de revolução.

Fernando Morais

À ANA NO DIA DO ANAVERSÁRIO


À ANA NO DIA DO ANAVERSÁRIO

Havia uma flor!
Nem eu sabia
onde é que a flor havia,
mas tanto fazia,

Talvez houvesse
onde ninguém soubesse
ou fosse uma flor de estar a haver
só na minha imaginação,
ou não fosse uma flor, fosse uma canção.

Nem a flor sabia
que existia.
Em qualquer sítio, sem saber, floria.
E se fosse uma canção cantava e não se ouvia.

E isso acontecia
no meu coração.
Não sei se era uma flor se uma melodia,
era qualquer coisa que havia
e cantava e floria
dentro de mim sem razão.

Ia pela rua e ninguém diria.
As pessoas passavam
e eu dizia:
«Bom dia!»
e ninguém suspeitava
o bom dia que fazia
em qualquer sitio
que dentro de mim havia!
Só eu sabia e sorria,
levando-te pela mão.

Alzira Santos
3/7/1980