A
MUDANÇA
Hoje
estou aberto ao mundo.
começo
pela porta da alegrai controlada
e pela
janela dos sorrisos
e
suponho que vou de cidade em cidade
em busca
do outro que já fui
quero
pedir perdão aos que mordi as canelas
com a
minha indiferença e orgulho
quero
pedir perdão pelas palavras de raiva
e de
despeito, quero abrir-me ao mundo
como
homem novo, mudado, diferente
que
esquecer aquele que troçou,
escarneceu,
de quem não teve
a minha
visão do presente e do futuro
quem não
estendeu os braços da amizade
aos que
não sabiam o suficiente sobre
a
sociedade do lucro e da má fé,
Não era
esse o caminho justo do poeta
nem era
essa a tarefa primordial
educar as
massas é sobretudo amá-las
mesmo
estando doutro lado da barricada
e
elevá-las pelo amor ao patamar poético
educar
as massas não pode ser com atitudes
de
despeito e orgulho.
A
sabedoria tem vários caminhos
e um
deles é explicar a vida em todos os seus
complexos
trilhos,
em todos
os recuos e avanços…
àqueles
que nos escutam, trata-los como filhos,
e aos
que nos atacam mostrar-lhes o caminho.
Hoje
estou aberto ao mundo
à
compreensão do que sou e do que digo
não
posso entrar no mundo para o criticar
sem
primeiro lhe dar um aval de resposta
sem a
mais simples palavra confiante
não devo
iniciar o meu discurso…
Estar
aberto ao mundo é não o ver como atrasado
é não o
ver com os olhos de tudo o que já sei
mas sim
apertar a sua mão de parceiro
nesta
viagem de aprender
pedir
uma hora, ou um dia, ou um mês de atenção
para
explicar a outros, olhando-os nos olhos
o que
aprendemos da vida e dos tempos
e de
como tudo o que existe é um dom
da
Natureza e uma prática dos homens livres.
Hoje
estou aberto ao mundo
porque
me sinto capaz de o entender
e feliz
de estar vivo nesta curva da estrada
definitiva
para o amanhã.
Hoje
sinto-me calmo e sereno
para vos
falar ao coração e à inteligência
para que
se não perca a grandeza humana
conseguida
há séculos de esforço colectivo.
Hoje
quero propor-vos a palavra cansada
da
esperança e do estudo
e que
todas as conquistas do passado
para a
busca da felicidade, assentem na boa vontade
e no equilíbrio
de quem tem a sorte de ensinar.
Hoje
estou aberto ao mundo.
Vejo o
rio Lima e o rio Homem
vejo as
flores amarelas da campina
afagadas
pelo sol de São Mamede em Guimarães
vejo os
rochedos de Porto Corvo reluzindo
à espuma
do Atlântico, deste mar encantado
com os
saberes de Bartolomeu Dias
vejo os
mirtilos de Condeixa-a-Velha
a um
metro apenas do museu de Conímbriga
e a
gloriosa faina das nuvens brancas na Afurada.
Vejo
como o Douro adormeceu na cama do Areinho
e ouço à
distância dos tempos a água salutar
da Fonte
da Rija.
Vejo a
imensidão de Castela no forno do Estio espanhol
com os
seus coelhos bravios, às centenas, saltando
e
correndo como bailarinos,
Vejo
Barcelona nas suas avenidas radiantes
apinhadas
de gente em férias que sorri
em fins
de semana prazenteiros,
Vejo
Beja e Olivença com os seus montes como seios de
Diana,
perfeitos e aos pares e o povo alentejano contando
histórias
de malandros, à porta de casas caiadas, iluminadas de
fraternidade,
Vejo e
sinto Alcobaça e Caldas da Rainha e Porto de Mós,
vejo
aquelas serranias onde Viriato foi maior que Roma
e as
grandes Serras apontadas ao céu,
Vejo
Nazaré com as suas casinhas de pescadores (agora
alugando
quartos) numa atarefada propaganda turística
de boca
em boca, à maneira bem nossa, para ajudar aos
fins de
mês,
Tudo isto
me leva para longe. Tudo isto me faz divagar e
compreender
estas pessoas e a sua capacidade de luta.
Parece-me
claro como água da fonte que este povo não quer imiscuir-
se nos
problemas políticos do país, devido à forma como os políticos
se
comportam com o povo,
Vejo e
sinto como o Cinema nos traz, de bandeja, os países
longínquos,
seus usos e costumes. Ouço a voz do Dalai Lama, no
extremo
oriente, cujo povo tem olhos expressivos de muita sabedoria
natural,
Vejo e
sinto os descendentes da Pérsia que tanto podiam ter herdado
dos seus
antepassados, se não fossem as guerras e a cobiça alheia. A
riqueza
que amealharam com as guerras, noutras batalhas a perderam,
Vejo e
sinto, crise após crise, como o povo do Iraque continua a
sofrer,
vejo e
choro por essa África imensa onde a desigualdade é total, onde
todos os
impérios vão buscar escravos, ouro e petróleo, deixando-a
com
doenças, com fome, com degradação,
E vou
adoecendo lentamente
pelo mal
que vejo existir em terras que já deram tanto ao resto do
mundo
que as despreza e oprime.
E
relembro aqui
Abdel Kader, argelino,
colocador de alcatifa, que
conheci
pessoalmente e todos os árabes, meus colegas de trabalho na
Fábrica
Duco, nos arredores de Paris, combatentes pela liberdade e
independência
da Argélia.
Assim
como também
MARA, famosa candora
espanhola de Jaen,
resistente
anti-franquista, cuja lembrança me dá tanto prazer e
admiração.
No seu Restaurante: O
Maravdi,
juntavam-se além de
espanhóis,
franceses universitários que discutiam filosofia e artes,
entre
eles alguns poetas. Isto passou-se em 1979 na Rua de la
Montagne
Sainte Geneviéve em Paris.
Assim
como também os meus amigos e condiscípulos das “Noites-
Universidade,
operários da Fábrica Renault em Boulogne. Billancourt
cujo
destemor e valentia me ensinaram a viver o perigo e a
fraternidade.
E
recordo sobretudo PARIS a capital da Felicidade reconstruída,
assumida,
nas suas noites de glória e juventude que eram noites de 24
horas,
onde a medida de ser homem se colocava para além dos
números
e das matemáticas.
Fernando
Morais
in “Ao
Povo do Mundo