I
O velho, entrara triste: a pé, junto ao lar,
Estava a companheira, absorta, a meditar.
- Mulher, a fé perdi, falei a toda a gente,
E ninguém me valeu! – E ela, com voz tremente:
“Dize-me: e o brasileiro?”
- Esse foi o primeiro.
Bati, fui ter com ele à casa do jantar.
Expliquei-lhe ao que vinha… entrou a gracejar:
“Com que então você quer livrar o seu rapaz?...
Vizinho, tão mal faz!
Deixe-me ir cada qual à sorte e ao seu destino!
Seu filho é um mocetão valente e muito digno
De servir o país…”
E descascava um fruto…
Desatei a chorar… “Homem, não seja bruto!
A farda não é morte…”
E disse mais e mais
- Cousas de quem não sabe a dor de uns tristes pais!
E, enquanto o velho punha a vista lacrimosa
Nos brasidos, a voz da mãe, aflita e ansiosa,
Perguntou: “e o prior?”
- Negou, negou também –
A angustiada mãe
Retorcia o avental com mão febril, ardente.
No silêncio da noite, então, distintamente,
Um profundo mugido,
Triste como um gemido,
Longo e longo chorou no lúgubre aposento…
Entreolharam-se os dois…
Nisto, acode à mulher um estranho pensamento…
“Temos ainda os bois!
Vendámo-los!” E ria…
O entristecido olhar
Do velho lavrador de lágrimas nublou-se.
E entrou a suspirar:
- Uns pobres animais, a quem só mingua a fala
Para serem cristãos! Parece que me estala
No peito o coração… Vender os infelizes!...
Pois seja assim, mulher! Farei o que tu dizes…
II
Vinha rompendo a aurora
Risonha, virginal, feliz como um noivado.
Das aves à compita, o trémulo trinado,
Entre as balsas, gorgeava. Era em descanso a nora.
No entanto, o lavrador, tremente e vacilante
Com um ladrão nocturno, ou como um namorado,
Abriu, de par em par, as portas do curral.
Súbito, nesse instante
Volveram para a entrada os bois o olhar leal,
Bondoso, humano e franco.
Que festiva alegria
O frequente menear das caudas traduzia
Resvalando em seu forte e musculoso flanco!
O velho, antigamente,
Tinha sempre, ao chegar, uma palavra amiga,
Um dito, uma cantiga,
A que sempre um mugido alegre respondia.
Mas, naquela manhã, silenciosamente,
Fatal como o dever,
O velho foi buscar, a um canto, uma correia,
E lançou-a a tremer
Dos anafados bois, às pontas recurvadas.
E saíram os três.
Nos côncavos da aldeia
Choviam as canções das aves namoradas.
III
No cais, há o moirejar das fábricas ruidoso.
Feroz e discordante,
Junta-se à voz humana, arfar estrepidante
Dos valentes pulmões das máquinas inglesas.
Em novelos, ansioso,
Golfam as chaminés o denso e o escuro fumo
Que ascende e toma o rumo
Do claro e vasto azul, vazio de tristezas.
Como um cetáceo ingente, encarvoado e feio,
Um enorme vapor
Por outros, avulta em meio.
Em seu largo convés, a marinhagem canta
E, na faina febril; as âncoras levanta.
Naquela espessa nau, um velho, um lavrador,
Entre a faina do cais, fita o dolente olhar…
é que ali dentro, vão os bois, o seu amor…
E àquela mágoa intensa
E inenarrável dor
Responde a descuidosa e gélida indiferença
Dos Homens, e dos Céus, e do profundo Mar…
Gonçalves Crespo (1846-1883)
lido por Fernanda Cardoso
A nossa Nandinha a dizer qualquer poema ...é cá uma doçura! Ai, Nandinha tenho uma "invejidade" de TU...
ResponderEliminarA minha mãe declamava muito bem poesia.E também a fazia.Em pequena, em casa com ela,pedia-lhe amiúde,para declamar para mim esta em especial:"A venda dos bois".Fazia-o com grande emoção.Apesar de ficar triste com a abnegação do "velho"e do destino dos bois agradava-me o estado meditativo a que levava!
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