sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Temos hoje, nas nossas paredes, obras de vários estilos, técnicas e temas.
É um pintor que se mostra, vindo da planura alentejana para o cosmopolismo portuense que por certo o influenciará para novas inflexões temáticas.
A obra que ali se mostra, cheia de Rio Douro, com o velho burgo ao fundo, é promessa de mais um artista que transportará para a espessura da tela, ou para a transparência da aguarela, esta velha cidade que já inspirou tantos dos nossos pintores, como Dórdio Gomes, António Cruz e Júlio Resende, para só referir alguns dos mais antigos.

O que aqui vemos são pedaços do nosso Portugal esplêndido que continua a ser a jóia da Europa em matéria de belezas naturais, apesar da inoperância que de Lisboa vai tornando difícil a vida das suas gentes:


Avivo no teu rosto o rosto que me deste,
E torno mais real o rosto que te dou.
Mostro aos olhos que não te desfigura
Quem te desfigurou.
Criatura da tua criatura,
Serás sempre o que sou.
E eu sou a liberdade dum perfil
Desenhado no mar.
Ondulo e permaneço.
Cavo, remo, imagino,
E descubro na bruma o meu destino
Que de antemão conheço:

Teimoso aventureiro da ilusão,
Surdo às razões do tempo e da fortuna,
Achar sem nunca achar o que procuro,
Exilado
Na gávea do futuro,
Mais alta ainda do que no passado. 

(Portugal, Miguel Torga, in 'Diário X')

Desde logo o Alentejo com as profundidades calmantes das suas lonjuras e paisagens características:

Horas mortas… Curvada aos pés do monte
 A planície é um brasido… e, torturadas,
 As árvores sangrentas, revoltadas,
 Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte
 A ouro a giesta, a arder, pelas estradas,
 Esfíngicas, recortam desgrenhadas
 Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
 Almas iguais à minha, almas que imploram
 Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
 - Também ando a gritar, morta de sede,
 Pedindo a Deus a minha gota d´água!

(Florbela Espanca)
Temos Óbidos, ícone dos percursos das antigas terras ancestrais que ousaram contrariar as decadências das eras:

Quem por ti, Óbidos, passa,
Sente o fascínio do tempo,
Ao evocar a desgraça
Das guerras, cuja ameaça
Vinha nas vozes do vento

Manténs cercadas de ameias
Ruas estreitas, vielas.
Mas o fluir das ideias
Que, sem fragor, incendeias,
Não cabem lá dentro delas.

Contam teus muros histórias
De sangue, heróis e pelejas,
De resistência, vitórias.
E, dessas tuas memórias,
Renasces, como desejas. 
(Vítor Cintra, No livro: MOMENTOS)


Aqueles quadros ali transportam-no às verdejantes paisagens que refrescam os olhares de quem nos visita.

Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.
Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.
Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;

Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração. 
(Luís de Camões)

Parte desse verde são as vinhas que Carlos Almeida tão bem delineia, fazendo-nos presente dessa realidade tão portuguesa, que levou uma personagem do antigamente a dizer que o vinho dá de comer a um milhão de cidadãos:


Não só vinho, mas nele o olvido, deito
Na taça: serei ledo, porque a dita
É ignara. Quem, lembrando
Ou prevendo, sorrira?
Dos brutos, não a vida, senão a alma,
Consigamos, pensando; recolhidos
No impalpável destino
Que não 'spera nem lembra.
Com mão mortal elevo à mortal boca
Em frágil taça o passageiro vinho,
Baços os olhos feitos
Para deixar de ver. 
(Ricardo Reis, in "Odes") 

E o mar? Está aqui representado em todo o esplendor que nos enche a alma, esse mar que nos torna saudosos quando daqui nos ausentamos, e que sempre foi causa de exaltação dos espíritos portugueses que por ele se lançaram na demanda dos quatro cantos do mundo.


Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
(Fernando Pessoa)


E o sol? São, a maior parte delas, paisagens iluminadas, a dar nota desta luz tão própria do nosso país, a encher-nos a alma, a despeito de todas as tragédias por que nos fazem passar:


Bendito seja o mesmo sol de outras terras
Que faz meus irmãos todos os homens
Porque todos os homens, um momento no dia, o olham como eu,
E, nesse puro momento
Todo limpo e sensível
Regressam lacrimosamente
E com um suspiro que mal sentem
Ao homem verdadeiro e primitivo
Que via o Sol nascer e ainda o não adorava.
Porque isso é natural — mais natural
Que adorar o ouro e Deus
E a arte e a moral...
(Alberto Caeiro)

Também por aqui há o tradicional nevoeiro tão característico da nossa costa. Basta reparar na mestria do quadro “Manhã de Nevoeiro” com que o autor nos faz lembrar outros nevoeiros:

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
define com perfil e ser
este fulgor baço da terra
que é Portugal a entristecer –
brilho sem luz e sem arder,
como o que o fogo-fátuo encerra
Ninguém sabe que coisa quere.
Ninguém conhece que alma tem,
nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ância distante perto chora?)

Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro... 
(Fernando Pessoa)
Em termos de lucubrações temos obras interessantes. Destaco esse sublime exercício plástico que o autor denominou “EVA” e que, na verdade, nos transporta à recorrente inquietação da procura da nossa matriz, de sabermos quem somos, de onde viemos e porque viemos:

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.

De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.

Sou minha própria paisagem,
Assisti à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: «Fui eu?»
Deus sabe, porque o escreveu.
Fernando Pessoa

Parabéns, pois, a Carlos de Almeida, pela sua excelente exposição, esperando que esta seja a primeira de muitas outras suas exposições nesta casa.

É já facto notório no Porto e arredores, que esta casa fez sua razão de ser a difusão da arte em todas as suas vertentes: artes plásticas, literatura, música, artes tradicionais, e outras que se venham a desenhar no nosso horizonte. À nossa porta acode gente de várias latitudes, acedendo aos nossos convites. Da banda dos edis camarários é que não nos tem vindo retorno aos convites. Mas agora, parece que a Exma Câmara Municipal nos tomou de ponta.
Dá-se o caso de há 4 anos termos mudado o nome, que era Livraria dos Lóios, como antes o fora Livraria Católica Portuense, desde 1921 e antes disso Livraria Moderna desde o século 19.
Escolhemos então como patrono o maior pintor português, do Porto, dos finais do século XVIII e começos do século XIX: o Vieira Portuense, que ao lado de Domingos Sequeira, engrandeceram aqueles tempos portugueses, estando a sua obra projectada, quer no País, quer no estrangeiro.
O pintor Vieira Portuense está homenageado numa ruelazinha da Boavista através de uma placa toponímica.
Nós colocamos nas nossas vitrinas tarjas com o nome do Mestre, para que se soubesse que era aqui a Galeria Vieira Portuense.
Os da Câmara Municipal não gostaram, vieram-nos tirar os letreiros e puseram-nos um processo. Eu sei que o governo de uma cidade tem razões que a razão desconhece. Mas…

Todos os dias os ministros dizem ao povo
Como é difícil governar. Sem os ministros
O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão sairia das minas Se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda
Mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra
Nunca mais haveria guerra. E atrever-se ia a nascer o sol
Sem a autorização do Führer?
Não é nada provável e se o fosse
Ele nasceria por certo fora do lugar.


E também difícil, ao que nos é dito,
Dirigir uma fábrica. Sem o patrão
As paredes cairiam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem.
Se algures fizessem um arado
Ele nunca chegaria ao campo sem
As palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem,
De outro modo, poderia falar-lhes na existência de arados? E que
Seria da propriedade rural sem o proprietário rural?
Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas. 
Se governar fosse fácil
Não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como o do Führer.
Se o operário soubesse usar a sua máquina
E se o camponês soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas
Não haveria necessidade de patrões nem de proprietários.
E só porque toda a gente é tão estúpida
Que há necessidade de alguns tão inteligentes.
Ou será que
Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira
São coisas que custam a aprender?
Bertolt Brecht

Das artes que por cá se exercitam, a poesia tem sido uma presença constante, com lugar marcado ao terceiro Sábado de cada mês.
Um grupo de poetas, e de pessoas que gostam de poesia, têm presença agendada para estas tertúlias, sempre ao terceiro Sábado de cada mês, cada vez em maior número, por que ser poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!  
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim ...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente ...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
Florbela Espanca








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