quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Hoje…


Hoje…
Olha, mãe, um dia conto-te mais coisas. Por ora é cedo.
Hoje… Hoje fiz um poema, sabes?
Tu sempre gostaste dos meus poemas.
Mãe, minha mãe,
Quando sossegará a tua filha?
Nem o vento parou,
Nem a mentira findou,
Nem nada.
Os pobres de pedir continuam batendo à minha porta.
As pessoas respeitáveis continuam, secretamente, a faltar ao respeito às árvores e às pedras.
Os povos humilhados perderam a fala e já nem gritam por socorro.
E eu olho da minha janela a única verdade que consegui:
Um pessegueiro cresce no meu quintal.

Depois cresci.
Fiz-me rebelde, lembras-te?
Também não foi por mal, ó mãe.
Eu era sincera e queria um mundo natural.
Julgava eu que tudo estava muito mal:
A cortina bordada para o lado da rua,
A minha dependência ao meu irmão, mais novo.
Não, mãe, não!
Nunca quis ser um homem,
Mas chorava a minha injusta condição de menina bonita que pede licença para viver,
Enquanto o meu irmão entrava na vida sem grades e algemas.
Eu era livre como um pássaro, mãe, e amava a vida!
Eu queria correr mundo como o ar, ó mãe!
E tinha de ser igual a todas as meninas da Terra
E tinha de pedir licença para viver!
Uma vez afirmaste que me tinha feito má, lembras-te, mãe?
Eu não pude dizer-te, mãe, mas fizeste mal à minha alma, sabes?
Eu queria só endireitar o que encontrava torto e tu não percebeste.
E eu chorei a verdade que o mundo teimava encobrir
E eu chorei o malogro da minha luta e da minha finalidade.
Mãe, perdoa, tu também choravas mais o pai,
Mas a minha força ultrapassava tudo
E continuava gritando minhas razões e as injustiças sociais.

Maria Almira Medina
in “Madrugada”
lido por Lourdes dos Anjos

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