sábado, 13 de novembro de 2010

CIDADE

Fernando Gomes
CIDADE

Vai deslizando a cidade, e gente, e mais
gente, e gente até mais não. Cai a noite,
o dia, já só não cai pregão.
Tanta casa, ruas amortalhadas,
vielas perdidas, e a desencada varina
que se fica esquecida de apregoar tradição.
Mortas de palavras, quando se entra na noite,
só pobres almas penadas se arrastam nas calçadas
a queimar a matéria, a vida.
Já não se ouve o teu cantar nem o perfume dos teus
jardins de cameleiras despidos, pedaços de outras
vidas.
E nas sacadas graníticas, onde o farol se apagou,
vai ficando sombra fria, só envolta em betão.

Elvira Santos
in Era Agosto e Chovia

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