sábado, 13 de novembro de 2010

A COMICHÃO DO POEMA

Victor Silva Barros

A COMICHÃO DO POEMA

Assentado me estou
numa estrutura
de pura literatura.
Minha avó me aconselha:
escrever sem que torça a orelha
comer sem que estoire a barriguinha;
melhor é tentear do que fazer poemas de cernelha
pegados à moda antiga.
Melhor de facto avó do que sonetos
pegados com saliva
são estes tersos versos de formiga:

   uma palavra preta
   com cem patas
   apoquenta o poeta
   que a procura de gatas.

   Pica-lhe o traseiro
   entra-lhe nas unhas
   faz-lhe o mal primeiro
   do que a caramunha.

   A palavra insecto
   corre-lhe nas pernas
   ameaça o recto
   e as partes internas.

   O poeta cata
   fala mais barato
   chamando-lhe ingrata
   descalça o sapato
   e ei-lo que mata
   o poema-chato.

José Carlos Ary dos Santos
in Insofrimento In Sofrimento, 1969
lido por Eduardo Roseira

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