sábado, 13 de novembro de 2010

Ó MEU PAÍS

Carlos Dugos

Ó MEU PAÍS

Ó meu País, ó pátria do meu sangue,
das minhas asas, das minhas entranhas,
meu canto doloroso há-de soar
como o vento nos cumes das montanhas.
Como o vento no cume das montanhas
meu canto doloroso há-de soar.
É esta a minha luta, a minha guerra:
cantar cada torrão da minha terra.
Nascemos ambos há mais de oito séculos
e desde então eu sei que sou filha,
não só de cada pai, de cada mãe,
mas de cada regato, cada fonte,
cada falésia, cada penedia,
cada gota de mar, cada raiz
deste antigo país de pedra e mato.
Descendo em linha de Viriato,
de Afonso Henriques e de Egas Moniz.
Nasci na serrania entre penedos,
alcateias de lobos e rebanhos,
tudo isto era já pátria imortal,
Lusitânia a sonhar com Portugal.

Ó meu País, meu canto há-de soar
como soa o trovão na tempestade,
pois para te cantar não tenho idade,
não tenho dimensões, sou mais do que eu.
Ergo os braços e vede! Tenho asas,
e subo pela Fé até ao céu,
e se preciso fosse, ó meu País,
andaria descalça sobre brasas,
lutaria com lobos e javardos,
bebendo fel e mastigando cardos.
Trovadores, a mim! A mim, jograis!
Sai do Cancioneiro, D. Dinis,
vinde cantar e semear pinhais!
Vinde cantar, Luís Vaz de Camões,
que a Pátria está doente de tristeza,
retalhada por ódios e traições!
Vinde cantar, Poetas! Gil Vicente,
vinde cantar, dizer à nossa gente
que o sangue que adobou este País
era sangue de heróis, cuja semente
deu flor e fruto pelos tempos fora!

E agora, Portugal? Agora, agora?
Agora um só caminho, uma só rota,
ó meu País, mas serás tu capaz
de voltar alguns séculos atrás,
não no tempo ou no espaço mas na alma,
na vontade titânica, implacável,
que dos previstos campos de derrota,
a cruz erguida, fez Aljubarrota?

Ó meu País, doente de amargura,
na seara do amor alastra o joio,
há que limpá-la da semente impura,
grão a grão, alma a alma, moio a moio:
agora um só caminho, o da Esperança.
Pode morrer um povo que além-mar,
ignorando terrores e cansaços,
pela força das almas e dos braços,
abriu caminho a golpes de machado,
construiu pontes para galgar rios,
desbravou matas para erguer cidades?
(Lembrai-vos do Mostrengo, do Gigante:
soprava tempestades pelas ventas
mas dobrámos o cabo das Tormentas!)
Atentai! Num dos pratos da balança,
o Mostrengo, o Gigante grosso e imundo;
no outro, Portugal, D. João II!

Ai, quantos, quantos cabos já dobrámos!

Neptuno, Adamastor, bem o sabeis!
Sujeitava-se o mundo às nossas leis,
nós, Portugueses, não! E então agora,
ó meu País, hás-de puxar à nora
ou curvar a cabeça porque és pobre?
Não e não, que ser pobre é não ter Fé,
não ter alma, e nós somos ricos de alma.
Deixa passar as ondas, a maré.
Será longa a viagem, será dura?
Quando é que foram fáceis as viagens,
os caminhos da glória, da aventura?
Bartolomeu, Cabral, Vasco da Gama,
por que preço pagastes vossa fama,
o caminho das Índias, dos Brasis?
Não, Portugal, não és um país pobre
porque a tua moeda não é de oiro,
não é de prata, é de um metal mais nobre.

Acabaram no mundo as Descobertas,
já são velhas de mais as velhas rotas,
já não há no planeta ilhas desertas,
povoadas de sáurios e gaivotas?
Que importa, meu País, se ainda és capaz
de descobrir, em vez de continentes,
penínsulas de amor, ilhas de paz
onde possam viver as tuas gentes?
Ergue a cabeça, acalma a tua dor.
Qual o país sem nódoa ou cicatriz?
O vendaval sacode folha e flor;
pode o fruto cair, fica a raiz.
Coragem, Portugal! Doem-te as chagas?
Mas não serão catanas nem adagas
que te farão esquecer essa glória:
sangue e suor, vitórias e derrotas,
com tudo isto é que se faz a História.
Na vida de um país há bom e mau:
Jesus, e era Jesus, chorou no Horto,
sofreu, e só depois subiu ao Céu.

Não, Portugal, não és um País morto,
que Deus é o timoneiro desta nau
e chegaremos todos a bom porto.
É de pedras e cardos o caminho?
Que importa? Tudo é vida, rosa e espinho.

Vem de longe, da História, a nossa herança
de Fé, de Caridade, de Esperança.
De regresso dos quatro continentes,
das Áfricas, das Índias, do Brasil,
da Austrália, do Japão e das Antilhas,
serão estas, acaso, as Novas Ilhas
onde irão aprovar as caravelas
do meu país em busca do futuro?
São asas, vede, as enfunadas velas,
Portugueses, de pé! Saltai o muro,
os arames farpados do terror,
que não há neste mundo Adamastor
capaz de destruir a Nova Aliança
do Portugal da Fé e da Esperança.

Alcateias de lobos esfaimados,
embrulhados nas sombras dos poentes,
cobiçam em redor dos povoados,
o sangue dos rebanhos inocentes.
Alerta, Portugal! Cada ribeiro
murmura, gota a gota: «Tem cautela!»
e de cada pinhal, cada pinheiro
é vigilante, atento sentinela.

Tens inimigos, sim, gente estrangeira
que sempre cobiçou teu património
e movida por artes do demónio
em África rasgou tua bandeira.
(Só a verde e encarnada porque a outra
no coração do Povo está inteira.
Só a verde e encarnada, a transitória,
que a eterna, a verdadeira, para sempre
há-de ficar nas páginas da História.)
Ó povos de além-mar, vossa tristesza
são saudades da pátria portuguesa.
Entretanto, atentai! Ainda lá estamos
e estaremos no muito que sofremos,
e estaremos na língua que falamos.

Bem mais triste é o irmão ao seu irmão
mostrar o punho sem lhe dar a mão.
Tem, porém, fé, que o próprio inimigo
há já muito perdeu as ilusões,
não ignora que Deus está contigo,
e Deus, ó meu País, sabe o que faz:
deu-te santos e heróis, deu-te Camões,
deu-te o Mar Tenebroso, deu-te as ilhas
e metade do mundo em Tordesilhas,
mas tem mais, muito mais para te dar,
não praia ou ilha ou continente ou mar.
Não é com lutas ou com Descobertas
que se faz hoje a verdadeira História.
A quem importam hoje ilhas desertas?
Não, com certeza, ao povo português!
Na mata virgem foste pioneiro
e nas rotas salgadas o primeiro,
mas hoje, ó meu País, a tua glória,
o teu destino é descobrir a paz,
e o mundo saberá mais uma vez
de quantas maravilhas és capaz!

Fernanda de Castro
in "Poesia II"
dito por Lourdes dos Anjos

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