sábado, 25 de agosto de 2012

GALERIA VIEIRA PORTUENSE


LUGARES DA POESIA
 
GALERIA VIEIRA PORTUENSE
Um “santuário” de comunhão de artes e de liberdade no Centro do Porto.
 
Incrustada em pleno Centro Histórico do Porto, mais propriamente no Largo dos Lóios, bem próximo da Estação de São Bento e da Praça da Liberdade, podemos encontrar este multifacetado espaço de Cultura que dá pelo nome de “Galeria Vieira Portuense”.
 
Nela, e como o seu próprio nome indica, fazem-se exposições de artes plásticas, individuais e colectivas.
 
Dá também o “corpo ao manifesto”, em manifestações de poesia, sempre ao terceiro sábado de cada mês, as quais coincidem com a abertura de uma exposição de pintura, ao longo da qual desfilam par a par as diversas artes plásticas e da palavra escrita e dita, tanto na sua vertente poética, como teatral, sem esquecer os momentos musicais que acompanham e preenchem os intervalos das intervenções dos muitos poetas e declamadores, que por ela passam, numa verdadeira comunhão de artes diversas em pleno ambiente de liberdade de pensar, comungar e de estar.
 
De assinar que no decorrer das sessões é servido um divino néctar provindo de Baco, de seu nome vinho do Porto, que serve para amaciar a voz, especialmente a dos que cantam e dizem poesia.
 
Num constante ambiente informal, no final de cada uma destas sessões mensais, é sorteada uma obra de arte, pintura, serigrafia, desenho, entre todos os que intervieram, quer dizendo poesia, cantando e tocando.
 
Por tudo o acima descrito e pela forma como sabe receber, a Galeria Vieira Portuense, proprietários e funcionários, oferece-nos e torna-se num espaço de adopção, sem distinção, pela forma como sebe acolher, todas as vertentes culturais e de pensar a cultura e as suas questões envolventes, a par de outras, num modo muito especial de cultivar a amizade e o convívio.
 

            Se alguém perguntar: - Como é que define a Galeria Vieira Portuense?
            A resposta só pode ser esta: É uma paleta de Artes.
Um arco-íris cultural.
O lugar do sonho colectivo de artistas, escritores e outros sonhadores!
 

Kim Berlusa
in “Lavra… Boletim de Poesia” nº17

HINO À VIDA


HINO À VIDA
 
Sou defensor da liberdade
Agnóstico de vontades pedintes
Que se perdem voando 

                        De esquina em esquina! 

Sou defensor das vontades
Daqueles que por dias a fio
Transportam seus corpos andantes 

                                   Perdidos dia a dia! 

Sou preso a mim mesmo
Devoto, defensor e legionário
Firme e achado 

            No pensar e no andar! 

Sou aquilo que poucos sabem
Da não existência de seus seres
Corpos de desejo e prazer 

                        De saber viver a vida! 

Ângelo Vaz
in “A Caminho das Descobertas”

PRELÚDIO


PRELÚDIO
 
Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela…
 
Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guizos,
nas suas mãos apertadas.
 
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.
 
Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro…
Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada…
 
Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...
 
Mãe-Negra não sabe nada…
Mas aí de quem sabe tudo,
 
como eu sei tudo
Mãe-Negra!...
 
É que os meninos cresceram,
e esqueceram
as histórias
que costumavas contar…
Muitos partiram pra longe,
quem sabe se hão-de voltar!...
 
Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.
 
É a tua voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada…
 
Marília
lido por Lourdes dos Anjos

A UMA MULHER DO MEU PAÍS


A UMA MULHER DO MEU PAÍS
 
Abre as asas, tu que não desistes
de encontrar as asas nos teus braços
e com eles descobrires novos espaços.


Abre as asas, tu que não desistes
de rasgar, no tempo, o calendário
que preenche, em cada dia, o teu diário.


Abre as asas, tu que não desistes
de mostrar que és viva, e continuas
percorrendo, serena, as mesmas ruas.


Abre as asas, tu que não desistes
de mudar a face da cidade
em ímpetos de arrojo e de vontade.


Abre as asas, tu que não desistes
de enfrentar o sol que te encandeia
e quebra a tua última cadeia.

Abre as asas, amor, e segue em frente,
voa sempre, voa sempre, sem cansaço,
e ensina a voar toda esta gente
que continua especada olhando o espaço.

 

Fernando Peixoto
lido por Ana Maria Roseira

Poema à Mãe


Poema à Mãe
 
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...

Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.


Eugénio de Andrade
lido por Fernanda Cardoso

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Poesia do Olimpo


Poesia do Olimpo
Sob estrelas,
Sentado no monte Olimpo,
o poeta, puxava algumas delas
para fazer poesia!
Mas, o problema era
que a Ursa Maior
não cabia no seu poema!
O poeta, desistiu,
Ficou só a olhar o céu!
Adormeceu!
Foi acordado,
ainda no Olimpo; seu leito,
pela estrela da manhã!
Era dia! Era poesia!
O poema estava feito!
 

Silvino Figueiredo
(o Figas de Saint Pierre de Lá-Buraque)

O MOSTRENGO


O MOSTRENGO
 
O mostrengo que estava a levedar
Na noite que trouxe ergueu-se a voar;
À roda de nós voou de novo,
Voou de novo a chiar,
E disse: «Quem ousou acreditar
Que podia ser livre de pensamento,
Que era possível viver feliz?»
E um de nós disse, em lamento:
«Quem ama este país!»
 
«De quem é a esperança onde me roço?
E a liberdade que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou de novo,
De novo rodou imundo e grosso.
«Quem desafia o que só eu posso,
De secar os sonhos destas gentes
De fazer um povo infeliz?»
E um de nós disse, entre dentes:
«Quem ama este país!»
 
Falou de novo, falou por nós,
De novo se ouvia a sua voz,
E disse, forte e sem tremer, de novo:
«Estes que gritam não estão sós:
É um povo, uma só voz;
E mais que tu, que me amedrontas
E matas o direito a ser feliz,
Manda a vontade, de quem afrontas,
Quem ama este país!» 

Eduardo Leal

CEM MILHÕES


CEM MILHÕES
 
Cem milhões são meus créditos pessoais,
Que devolvo ao Porto por convivência
E autoridade no prestigio universal.
Da Europa à Ásia
De África à América
O azul cobre a terra
E o branco é o seu manto.
Sou do Porto por amizade
Valha-me isso: amor pessoal,
Tão pessoal, tanta vaidade,
Por a cidade ter este encanto.
Ser do Porto vencedor
Arrimando-se do Douro
Até às Antas,
Vemos todo o valor.
Cem milhões são minhas dívidas
Que tenho em ouro;
Ou plantas o título
Nesta cidade, com beleza,
Ou faço da minha vida
Todo o futuro de tristeza.
Vou contigo campeão do mundo
P´ra toda a parte.
Se podemos ter orgulho é no trabalho…
Mas também no esférico
Que com ele fazem arte;
Arte bem portuguesa, afinal!
 

Luís Pedro Viana
23.02.2008 JN

AMOR


AMOR
 
Sentimento puro
Cheio de ternura
Abrigo seguro
Enlevo candura.
 
Céu azul flor
Leve espargindo
Sensível na dor
A tudo resistindo.
 
Vida renascer
Força lealdade
Padecer morrer
Castigo felicidade.
 
Poema história
Teatro canção
Todo ele glória
Fiel emoção.
 
Pura união
Sempre protector
Faz vibrar o coração
Ele é rei e senhor. 

João Pessanha
14/01/2012

TUDO É FOI


TUDO É FOI
 
Fecho os olhos por instantes.
Abro os olhos novamente.
Neste abrir e fechar de olhos
já todo o mundo é diferente.
 
Já outro ar me rodeia;
outros lábios o respiram;
outros aléns se tingiram
de outro Sol que os incendeia.
 
Outras árvores se floriram;
outro vento as despenteia;
outras ondas invadiram
outros recantos de areia.
 
Momento, tempo esgotado,
fluidez sem transparência.
Presença, espectro da ausência,
cadáver desenterrado.
 
Combustão perene e fria.
Corpo que a arder arrefece.
Incandescência sombria.
Tudo é foi. Nada acontece. 

António Gedeão
in “Poemas Escolhidos”
lido por Maria Augusta da Silva Neves

BALADA PARA JESSE OWENS


BALADA PARA JESSE OWENS
 
Em mil novecentos e trinta e seis
Hitler perdeu uma batalha.
Tinha aviões e tinha tanques
tinha um Estado e a Gestapo
só não tinha força para vencer
um negro chamado Jesse Owens.
 
Tinha SS para mata
tinha soldados para a guerra
e tinha botas para calcar
em toda a terra o pensamento.
Só não tinha ninguém para saltar
oito metros e seis de comprimento.
 
Tinha generais para mandar
e tinha generais para obedecer
tinha navios para conquistar
novos mercados novos mundos.
Só não tinha arianos para correr
cem metros em dez segundos. 

Manuel Alegre
lido por Eduardo Roseira

Deite-te o meu corpo como quem estende


Deite-te o meu corpo como quem estende
um mapa antes da viagem, para que nele
descobrisses ilhas e paraísos e aí pousasses
os dedos devagar, como fazem as aves
quando encontram o verão. Se me tivesses
 
tocado, ter-me-ia desmanchado nos teus braços
como uma escarpa pronta a desabar, ou
uma cidade do litoral a definhar nas ondas.
 
Mas, afinal, foste tu que desenhaste mapas
nas minhas mãos – tristes geografias,
labirintos de razões improváveis, tão curtas
linhas que a minha vida não teve tempo
senão para pressentir-se. Por isso, guardo
 
dos teus gestos apenas conjecturas, sombras,
muros e regressos – nem sequer feridas
ou ruínas. E, ainda assim, sem eu saber porquê,
as ondas ameaçam o lago dos meus olhos.
 

Maria José Parreira
lido por Idiema

SILÊNCIO DA NOITE


SILÊNCIO DA NOITE
 
Seus olhos
repousam no horizonte
lá longe,
onde o céu e o mar
se beijam docemente.
É ténue a linha que os separa.
Sobre eles estrelas cintilantes
bailam
numa sinfonia de luz.
A seus pés,
ondas acariciam a areia,
num vaivém
de espuma rendilhada.
Tela salpicada
de cores
ilumina
o silêncio da noite.
A lua
sedutora,
mágica
observa,
extasiada. 

Alice Santos
in “A Arte pela Escrita Dois”
Colectânea de Prosa e Poesia

O QUE DEVO FAZER?


O QUE DEVO FAZER?
 
Sinto-me desesperado
Não sei o que hei-de fazer
Com o nome que me foi dado
Fico todo assanhado
Quando sou confundido
Com um juiz e um advogado
 
Para triste sina minha
Com o nome fui baptizado
De António Duarte Lima
Nesta decisão não fui ouvido
Não sou perdido nem achado
Mas isto de ser confundido
Concluo que só por castigo
Meu nome é tão macabro
 
Se tira ao nome, António
Fica Duarte Lima
Este meu homónimo
Como tem uma visão felina
Longe viu o património
Da Feteira, a Rosalina
 
Advogou causas de heranças
Geriu dinheiros como bem pensou
Colocou-o em poupanças
Que bons milhões lhe rendeu
E quando tudo se descobriu
A Rosalina, para o outro mundo partiu
 
E com esta confusão
Quando o meu nome é pronunciado
É como se houvesse uma rebentação
Causada por um petardo
Todos me olham de soslaio
Como se estivessem a ver o Diabo
 
Simulo que fico irritado
De ver tanto sobrolho franzido
Pergunto: fiz alguma asneira?
Acham que sou o tal advogado?
Levanto as pernas da calça e digo,
Vêm alguma pulseira comigo?
 
Ficam logo embasbacados
Por julgaram ser a minha irritação
Começam a olhar para o lado
E não vêem a minha gozação
 
Mas como um mal nunca vem só
Meu nome é de novo enxovalhado
Entrou um Pires e saiu o Duarte
Fica tudo de novo baralhado
Como tenho que desatar mais este nó
Tenho que o fazer com engenho e arte
 
Saiu Duarte Lima advogado
Entrou Pires de Lima Juiz
Eu é que sou o condenado
Meu nome é maltratado
Por males que nunca fiz
 
Este Pires, juiz, é o tal que disse
Que o tribunal Constitucional
Foi falacioso na argumentação
Ao declarar inconstitucional
A propalada subtracção
Do subsídio de férias e do Natal
 
Até parece que estou em Palco
Em plena representação
Sozinho sou o actor
Ora faço de advogado da treta
Ora faço de juiz julgador
Ora faço de falso poeta
 
O Duarte Lima vigariza
O Pires de Lima ajuíza
O António Lima poetisa
Com tão boa encenação
E uma belíssima representação
Os espectadores; dão grande ovação
 

António D. Lima
Julho 2012

DE TARDE


DE TARDE

Naquele pique-nique de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!


Cesário Verde – 1887
lido por António Cardoso

POEMA ESCRITO NOCHÃO


 

POEMA ESCRITO NOCHÃO 
 
“Era a primeira vez ” — dizias
com certo ar de surpresa,
ou desalento —
“que estava junto de ti
sem te mostrar um poema”! 
 
Mas vê bem, meu Amor-Lindo,
sua cabecinha de vento:
Que melhor poema querias
que os nossos corpos ali,
distraídos,
abraçados,
esquecidos,
abandonados…  
 
perdidos
          nos olhos que se cruzavam…
enredados
          nas mãos que se procuravam…
enlouquecidos
          nos beijos que se trocavam…? 
 
E enquanto isso,
cá fora,
a chuva caía,
cantarolava e fazia
sulcos na areia molhada
que, vistos por nosso ver,
eram escrita disfarçada
— eram letras que juntinhas,
em carreira,
e soletradas,
faziam um belo poema
cujo tema
era o amor… 


          — Era só olhar e ler! 
 

Inédito, Miguel Leitão
15 de Agosto de 2012

AMOR MODERNO


AMOR MODERNO
 
Se eu vier a ser amado
Pela mulher com quem sonhei,
Deixarei de ser casado
Por aquela com quem casei.
 
E se o mundo me castigar
Sem saber por que o faz,
Deixem que eu ame quem amo
E o mundo viva em Paz.
 
Se o tempo já passou
E se a hora é chegada
Meu coração não parou,
A vida não vale anda,
O mundo estagnou,
Vive nele, apenas, a minha amada!
Nele não há nada…
Já não há nada… 

Manoel do Marco

PROCURAR


PROCURAR
 
Eu voo cegamente nas asas do vento
Com a ânsia virginal de te encontrar.
Eu fecho os olhos naquele momento
E sonho ver-te, para mim, a caminhar.
 
O meu amor é tão puro, tão louco.
Qual chama rubra que em meus lábios passeia.
Como o som das ondas de um mar rouco
Beijando com ardor a sua doirada areia.
 
Ai amor, como eu te procurei
Na terra, no céu, no jardim em flor
Perdi meus sonhos e nenhuma outra amei.
 
Entretanto, com alegria, ao entardecer notei
Que quando o sol esconde todo o seu fulgor
Eu morro, só para por ti, a seguir, renascer. 

Marco Aurélio Santos
in “Avé Sol”
lido por Josefina Castilho

um dia, quando a ternura for a única regra da manhã,




um dia, quando a ternura for a única regra da manhã,
 
acordarei entre os teus braços. a tua pele será talvez demasiado bela.
 
e a luz compreenderá a impossível compreensão do amor.
 
um dia, quando a chuva secar na memória, quando o inverno for
tão distante, quando o frio responder devagar como a voz arrastada
de um velho, estarei contigo e cantarão pássaros no parapeito da
nossa janela. sim, catarão pássaros, haverá flores, mas nada disso
será culpa minha, porque eu acordei nos teus braços e não direi
nem uma palavra, nem o princípio de uma palavra, para não estragar
a perfeição da felicidade. 

José Luís Peixoto
lido por Ana Maria Oliveira

ASAS


ASAS
 
Estende teus braços a mim aviador,
com teus olhos despe-me enquanto
no teu peito aninho sem clamor,
peito feito de poema, renda e canto.
 
Cola tua boca à minha… No epicentro
sela teus lábios meigos, lábios costurados;
A tua língua agulha enfia ao centro
e dá-me beijos longos e demorados…
 
Depois recosto o meu corpo disforme,
partilho contigo o gosto do acalento,
deixo-te vir nesse deleite enorme…
Desvairada voo…, nas asas do teu vento…
 
   Fernanda Garcias

 

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

SOFRIMENTO


SOFRIMENTO

Pedi licença para entrar e não mais saí!
Com os pés cansados, mãos trémulas, olhar triste com máscara na cara escondendo a dor que me cobre, sentei-me bem no fundo para que ninguém me escute a respiração.
Por vezes cansado, levanto-me e fumo um cigarro.
Atrapalhado, espalho o fumo para que não o vejas, isolei-me dos telefones do mundo virtual que me rodeava, esqueci tudo… até o amor que por mim chama.
Quando me sinto, sinto o peso da dor que os predadores da alma me causaram!
Curvo-me para me aquecer, abraço-me para me sentir antes que a morte me chame.
Por vezes acordo numa sonolência de estado de “coma” e deslizo meu corpo ao alto.
Silenciosamente e desconfiado que venha outra vez o predador de almas, espreito… e uma luz de corpo coberto de branco com cheiro de incenso imaculado se aproxima temendo eu que seja uma falsa alma!
Encosto-me às paredes frias de minha gruta, cortei minha respiração e deixei-me levar por ti!
Desmaiei, a teus pés… Agora és tu, que estás sozinha!
Recolheste teu corpo quente ao meu, quase morto…!
Murmuraste palavras que de muito longe eu ouvia, julgando que era o diabo… mas a voz era de um anjo!
Comecei a sentir que não estava morto, lentamente acordei enrolado a teu corpo, saciei minha fome de abraços e beijos que muito esperava. 

Ângelo Vaz

in “Capas”

RÉS/ RÉCITA PRIVADA DUM PÚBLICO AMONTOADO


RÉS/ RÉCITA PRIVADA DUM PÚBLICO AMONTOADO 

R/Pública ou Privada: ponto de encontro, das astenias consumidas, afanadas, daquilo que se projecta na culpabilidade assumida. Não se isenta ela, nem que a vaca tussa, por quem não faz, que não pensa, nesta monarquia dissimulada. 

            Podem ser as punhetas, delas se fala, quase solitárias, são o exemplo nunca acabado das miragens voluptuosas que na vida privada, reflectem o cio público. 

            Os poderes políticos atiçam a ignomínia privada. Dão-lhe aflições de desordem pública, acionando os seus cacetes em lombos sobre a dita, dos ditos lhes infligem dores privadas. Entretanto em qualquer ânus privado solfejam as caganeiras assimétricas no público nunca privado. E não escasseiam os Patriarcas, que pensam obrar pela cloaca dos outros, naquilo que é privado, do que é tornado público, por muito que reaja como privado. E o reu, ou ré, já não têm liberdade, pois lhes foram sugado a liberdade de não aceitar serem público o que decidiram ser-lhes útil de preceito privado. E não faltam julgamentos aos réus tornados públicos, entremeados por cabeças privadas contra as liberdades de todos os sentimentos, que não os obrigam a defender a sua privacidade. 

Então a Récita: 

- Que Ré esta, que despejaste na alcova os gritos dum tesão surdo, nem que privado, à luz cinzenta, de tudo que não parece ser público. 

Que Monarquia esta que espia a Ré, a Mãe que nos mostra as tetas quando lhas chupamos, depois de nos tornarmos públicos. 

Que República esta, privada, que nos afana o direito de fuga, do estertor, da gnose que nos entulha. 

Que não nos impede de ser, simplesmente, Republicanos, nesta Monarquia Privada. 

V.L.