quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

POESIA NA GALERIA, na exposição de pintura de Nunes Amaral


obra oferecido por Nunes Amaral para o sorteio entre os poetas
Dr. Agostinho Costa entrega a obra à sorteada Pilar Veiga
Fernanda Cardoso
João Pessanha declama sob o olhar de Eduardo Roseira e Fernando Morais
Fernanda Cardoso
Lourdes dos Anjos declama
Loudes dos Anjos
Lourdes dos Anjos e Constância Nery

Eduardo Roseira
Eduardo Roseira, Jorge Vieira e Fernando Morais
Maria Luísa Mendonça e Jorge Vieira
Pilar Veiga declama uma poesia de Maria Antónia Ribeiro

Fernando Morais

Kim Berlusa, Jorge Vieira e Eduardo Roseira
Maria Antónia Ribeiro

Jorge Vieira declama, à sua esquerda Eduardo Roseira, Fernando Morais, Kim Berlusa e esposa,
Cassio Mello, Luz Morais e Constância Nery
Constância Nery declama um poema de Maria Olinda Sol
Kim Berlusa

Maria Antónia Ribeiro e Eduardo Roseira
Maria Antónia Ribeiro, Pilar Veiga e Constância Nery
à direita o pintor Nunes Amaral com Luz Morais;
a pé, Cassio Melo e Jorge Vieira
Eduardo Roseira e Fernando Morais
Eduardo Roseira
Eduardo Roseira com Fernando Morais
Jorge Vieira e Constância Nery

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

NÃO TEM MAIS AZUL

Fernando Gomes
NÃO TEM MAIS AZUL

Meu azul, meu azul no céu de Gaia
meu azul da rua pequenina
onde estás com o cheiro de milho verde
e o suspiro da fonte que molhava a sede?

Meu azul, meu azul que só ó azul
misturado no branco da nuvem que passa
e o melro escondido a cantar de graça
e a bola de pano a entrar na baliza…

O miúdo que fui não tem mais azul
p’ra correr na rua, pinchar nos quintais
subir às árvores com sameiras nos bolsos
e risos e riscos sobre velhos taipais.

Meu azul antigo desse tempo antigo
por onde subia aquele sol amigo
que tornava as tardes de cor de hortelã
quando o vento bulia nos seis da manhã…

Meu azul de Gaia de branco polida
quando frente ao espelho estava dona Cinda
a tocar sorrindo numa escura ferida
que tinha mesmo por baixo do vestido…

Fernando Morais
in "Voltar a Gaia"

OLHOS… OLHARES

Marina Mourão
OLHOS… OLHARES

Os olhos são janelas abertas,
Presas à beleza… ao encantamento,
Onde o amor, nas horas incertas,
Dança na fúria do vento.

Olhares que choram serão castanhos?
Ou de sorrisos abertos podem ser escuros?
Todos eles têm encantos tamanhos,
Peregrinos da beleza… os mais puros.

Mas os azuis, da cor do infinito,
Poderão ter a paz do firmamento,
Onde o verde-mar, mais aflito,
Espera ver os ais do desalento.

No olhar, a sedução é uma pintura
Que dá colorido às nossas horas;
Com os olhares oferecemos a ternura,
Do amor que sentimos, sem demoras.

Jorge Vieira
in "Manhãs Inquietas"
disponível na FNAC

RECORDAR

José González Collado
RECORDAR

Sou do tempo duma Gaia
que tinha fumo de comboio
e risos encantados de criança
quando os velhos seguiam pelas ruas aos ziguezagues.
Sou do tempo das castanhas, dos tremoços,
da fava rica e do pião das nicas…

Sou do tempo duma Gaia zaragateira
com sopeiras e magalas jogando às escondidas
no jardim do Morro
Das bichinhas de rabiar
dos rebuçados Vitória
e do alho porro na noite de S. João.

Fernando Morais
in "Voltar a Gaia"

ESPELHOS

Carlos Dugos
ESPELHOS

Tudo isso não é querer de mais
nem de menos sequer: é querer tanto
que o espelho quando mostra os sinais
e revela a nudez sem qualquer manto

reverbera que sendo quase iguais
o que exibe é de outro que entretanto
percorreu os caminhos naturais
despojado que foi do ar de espanto

de quando transbordava de vigor
a prumo mais erecto do que um pau
de bandeira a subir e a transpor
o fogo das artérias: só é mau

que os espelhos devassem o desgaste
e foquem a nudez a meia haste

Domingos da Mota
in "Bolsa de Valores e Outros Poemas"

DOCE SEIVA

José González Collado
DOCE SEIVA

A farrapeira pousou a giga, cortou a trança
E fez-se emigrante em terras de França.
A galinheira já não apregoa na cidade.
Nem vende galos com esporões que dizem a sua idade
O peixe não acorda nas canastras vadias
É tratado por “doutor” nas bancas das peixarias.
O ardina deixou a sua almofada feita de jornais
Tomou de passagem um quiosque com bugigangas e postais
E até o carvoeiro deu o burro a um circo sem animais.
O homem das gravatas é hoje um técnico bem falante
E perdeu o estatuto de vendedor ambulante.
O aguadeiro viu a nascente d’água enterrada no alcatrão
E abriu um “snack” com “finos” e camarão.
A hortaliceira desfez a horta e vendeu-a a “talhões”
E a lavadeira viu o ribeiro morrer com esgotos de habitações.
A cidade cortou as veias onde a seiva corria.
Tão doce seiva! Puro sangue com que vivia
Perdeu-se esta pluralidade de cores e sons
Esqueceram-se outros tempos.
Tão azedos mas tão bons!

Lourdes dos Anjos
in "Nobre Povo"

MUANA[4]

RYONY PLATE


MUANA[4]
(tentativa de poesia africana)

cai chuva de mazi[5]
que desfaz no quente
da terra de negro.

o muana descalço
proveita p?ra brincar
no matope[6]
junto da palhota

mamana[7] sofredora
lembra seu joão
que anda no mar
ganhando o pão?

pouco
no barco do mezungo[8]
fazendo o serviço da pesca.

mamana pensa triste
que se vai chegar
tempo pior.

o seu joão não vai voltar
e o muana
acaba brincadeira
e sem ter tempo
para chorar
dá um salto na vida
e vai para o mar.

Eduardo Roseira
in "A Colheita Intima"

DIZER… NÃO!

Giga Coelho
in: espacoloios.com
DIZER… NÃO!

Digo não às palavras de desespero,
Às falsas promessas e à traição;
Digo não à violência e não quero
Ser a voz do desalento, sem razão.

Digo não à inquietude, à rebeldia,
À solidariedade que não existe;
Digo não à opressão e à tirania,
Que ali ou acolá ainda persiste.

Digo não à grande falta de humanismo
Que ainda sobressai nos hospitais;
Digo não à hipocrisia e ao cinismo
Que se ligam por vezes aos nossos ais.

Digo não à consciência amordaçada
E aos instintos nefastos da opressão;
De peito aberto, cantarei a Madrugada
E digo sim a quem erra e quer perdão!

Jorge Vieira
in "Manhãs Inquietas"

GAIA JÁ CIDADE

José Gonzalez Collado
GAIA JÁ CIDADE

Gaia
cidade grande como um circo
imensa nas atitudes desafio
da memórias dos tempos de menino
que em era azul de sinfonia.

Das areias do rio ao areal do mar
dos milheirais em flor até ao monte
da avenida desfiada até à ponte
das varinas no seu apregoar.

Gaiata de Canidelo e Afurada
de chilenos em Avintes e Oliveira
no Areinho tinha sável e peixeira
e no Mosteiro a serra escarpada.

O jardim era um morro preferido
no coreto brilhavam os trompetes
no São Gonçalo soavam castanholas
no um de Abril ouviam-se foguetes.

Nas tabernas muitas vozes e bem altas
nos armazéns de vinho um cheiro acre
as pipas muito grandes pelas ruas
e carros de bois de rodas nuas.

Mas Gaia do entardecer pelo sol posto
ainda tem magia e sobressalto
palpita doutras vidas aqui dadas
e já nenhum campo lavrado cheira a mosto.

Feita de mil cores, mil desejos
sem vielas e calçadas percorridas
inchadas de promessas não cumpridas
cidade de crianças e de velhos.

Fernando Morais
in "Voltar a Gaia"

NATUREZA MORTA COM FLORES

Rosa Elvira Caamaño

NATUREZA MORTA COM FLORES

Artemísia aneto cebolinho
endro arruda estragão

azeda borragem beldroega
aipo coentro cerefólio

hortelã poejo e tomilho
orégão alface erva-cidreira

salsa e salva e serpão
manjerona alecrim manjericão

e tomate-cereja natural
com flores-de-gelo sálvia e sal

Domingos da Mota
in "Bolsa de Valores e Outros Poemas"

É do seu tempo? (III)

José González Collado
É do seu tempo? (III)

A figura ímpar da Dr.ª Adelaide Estrada com os seus chapéus de rendinha sobre o rosto, abrindo de par em par as portas da sua casa ao companheiro de ideias, general Humberto Delgado, para lhe oferecer um enorme ramo de rosas vermelhas, sob o olhar atento e quase moribundo de alguns “pides”, disfarçados de passageiros do eléctrico, ou simples transeuntes?
O velho Mendes alfaiate e dono da papelaria Invicta, atrevido e mulherengo, mas indiscutível oposicionista ao regime de Oliveira Salazar?
O castiço senhor Amadeu-bem trajado e bem falante, ateu, provocador de polícias fardados e saloios – de lenço e gravata vermelho vivo, em dias que convinha assinalar?
O senhor Horácio, funcionário do “Jornal de Notícias”, que fazia da sua janela um posto de observação por excelência (a partir das 14horas), boina basca, com a internacional socialista como músico de fundo, em dia de primeiro de Maio, levantando a mão em cumprimento fino e cordial a quem passava?
O senhor Ernesto, alfaiate de gente endinheirada, que se reunia em casa dos meus pais com o senhor Eusébio, o pintor de cartazes do Coliseu do Porto, o Quintela sucateiro, vivaço e animador do grupo, o Dr. Elísio de Melo, advogado e conhecedor de grandes segredos políticos, para jogarem à sueca, ouvir a BBC e deliciarem-se com os “comeres” que a minha mãe fazia?
O senhor Alberto Barbosa, homem de teres e haveres, que cultivava amores extra-conjugais e era a delícia das más-línguas?
O senhor Luís da leiteira, onde se ia comprar o leite que chegava, pela madrugada, em enormes canados de latão, vindo da Calçada e Valpedre, ricas terras de Penafiel?
O senhor Amadeu “esgazeado” da Grande Guerra, que vivia na ilha que tomou o seu nome, e passava o tempo entrando e saindo dos carros eléctricos, porque lhe fora dispensado o pagamento de bilhete?
O senhor Armando Picheleiro, o Espanhol que reunia em sua casa gente mais ou menos jovem para simpáticas tertúlias onde era Senhor e Rei, pai de três lindas catraias uma das quais a Sara atingiu invejável patamar, galo vaidoso e atrevido!?

A minha rua era familiar e ternurenta, mas também revolucionária e, por isso, difícil de roer.
Aqui vivia-se Abril sem dia marcado. Cresci respeitando a liberdade e valorizando o trabalho.
Passaram-se cinquenta anos!
A saudade já me enche a alma.
A minha rua mudou, mas não melhorou.

Lourdes dos Anjos
in "Nobre Povo"

BEIRA

JOSÉ LUIS CEÑA RUIZ


BEIRA

recordo com saudade
o teu corpo rectilíneo
à beira-mar estendido.

recordo o odor
do teu corpo
acácia em flor.

recordo como tu
com os teus braços
afagavas como se fosse um menino?
o macúti?matacuane?
ponta gêa?o maquinino?[3]

Eduardo Roseira
in "A Colheita Intima"

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

O CÂNTICO DAS FLORES

Jaime Muinelo




O CÂNTICO DAS FLORES

O cântico das flores traz-nos o vento
Que volteia sobre os campos floridos;
Pintura celeste, suave encantamento
Que inebria o nosso ser, nossos sentidos.

Pelas flores viajamos o olhar perdido,
Em êxtase, em sintonia, em comunhão;
Somos náufragos de um amor apetecido,
Que desperta em nós, em profusão.

O cântico das flores traz-nos o odor,
As primícias do olfacto a Primavera;
As aves que cantam em seu louvor
Dão-nos o prazer de uma quimera.

Abertas às delícias da natureza
Estão as janelas coloridas do nosso olhar,
Que possui toda a força e a certeza
De quem com ânsias quer amar!

Jorge Vieira
in "Manhãs Inquietas"
(disponível na FNAC)

TERRA DE GAIA

Fernando Gomes
TERRA DE GAIA

Como esquecer-te o solo fértil
grávido,
o instante em que as plantas
se levantam da cama
e no primeiro raio de Sol
apercebem o grito do pássaro acordado?

Como esquecer-te as ruelas
dos lugarejos pintalgados de erva e de musgo
que veste de cor florida os olhos de quem passa?

Como esquecer-te os sons de chocalhos
quando terminam subitamente as casas
e nos encontramos no meio da palha calcada
do chão dos bovinos?

Fernando Morais
in "Voltar a Gaia"

DESBASTE

Patrícia Filardi


DESBASTE

Há quem diga cuidar dos girassóis
e as ervas daninhas menoscabe
pois que deixa o desbaste pra depois
e quando se dá conta já é tarde

Há quem espere o chegar dos arrebóis
com festas e foguetes e alardes
(até bebo um copo ou mais que dois)
e há quem veja o sol atrás das grades

Há quem peça perdão a São Plágio:
decante salmodias e apanágios
e ande por aí com seus adornos

Eu perdi equinócios e solstícios
e tenho tantos ócios, tantos vícios
que pego ainda o touro pelos cornos

Domingos da Mota
in "Bolsa de Valores e Outros Poemas"

VESTIR O SONHO

Ignacio Hábrika


VESTIR O SONHO

Na minha madrugada florida,
Parti sorrindo à procura da vida.
Nas mãos levava um ramo verde de alegria
E na alma a festa de gostar do que fazia
Encontrei caminhos tristes
E meninos sem sorrisos
Cristos de carne e osso
E santos vivendo infernos
Contei anos e anos de Invernos
E perdi a conta das desilusões
Procurei armas p’ra fazer guerra
E semeei lágrimas em árida terra
Fiz provas, testes e exames
Examinei letras, problemas e fracções
Falei de paz, de vidas, de religiões
Aprendi muito mais do que ensinei
Fui feliz dando a cada criança
As letras douradas da palavra Esperança
Hoje, recordo saudosa aquela primeira hora
Que, numa bata branca, vesti o sonho de professora.

Lourdes dos Anjos
in "Nobre Povo"

ATÉ CHEGARMOS AO MAR

Gustavo Fernandes
ATÉ CHEGARMOS AO MAR

casta
em covas do douro
plantada.

colheita de 51
no porto
encubada.

qual torna viagem
o atlântico
ao indico
me levou.

desembarquei
num mar com sabor
a oriente.

douro de nascença.
chiveve[1] de maturação.
luia[2] de passagem.
nuns deixei presença
noutros o coração
e fui forçada.

o oriente
ao atlântico mar
me devolveu
e fui ao encontro
de um tua
que me fez seu
com a magia do olhar.

eu e os rios,
somos só um.

unidos no correr
temos um percurso comum
nas marés do nosso viver.

é sempre em mim
que os rios vem desaguar.
assim será até ao fim,
até chegarmos ao mar.

Eduardo Roseira
in "A Colheita Intima"

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

MANHÃS INQUIETAS

Pilar López Román


MANHÃS INQUIETAS

Revolto-me, em cada dia nascente,
E traço o caminho a percorrer;
Levanto-me como quem de repente
Espera as delícias do sol poente.

Engano as horas com vãs promessas
Que o dia seja o mais feliz;
Mesmo que o vagar tenha pressas,
Hei-de andar por onde quis!

Saciarei a sede com a doce ternura
Que a poesia me oferece… lentamente;
Mesmo que surja a noite escura,
Sou uma luz que brilha intermitente.

Mesmo que a revolta ouse persistir,
Eu lanço as redes à Alegria;
Assim, em cada esquina deixarei florir
Pétalas coloridas de fantasia.

Jorge Vieira
in "Manhãs Inquietas"
(disponível na FNAC)

PRECE

Constância Nery
PRECE

Enquanto os pássaros
Cantarem e voarem
Em eterna dança
Os campos florirem
As estrelas brilharem
As crianças rirem
Com esfuziante
Alegria
Continuará a existir
Esperança
E poesia

Maria Antónia Ribeiro
in "Inquietudes"
lido por Pilar Veiga

Estou na manhã do comboio

ALEX DAVICO


Estou na manhã do comboio
que já passou, suavemente desconhecido
e galgando carris de esquecimentos
que jamais vos poderei transmitir: sois capazes de ouvir
o grito de uma rosa?
Passo agora mesmo, aqui
onde não sei ver ninguém e da minha sombra
lembrança alguma restará; dos olhos de quem não esteve
levo a cegueira de um mar que não fui.
Pouca-terra pouca-terra, sou comboio antigo,
um brinquedo sujo em mãos que inventam o menino;
pouca-terra pouca terra, o vapor que transpiro tem o cheiro
das rugas das viagens que não fiz! Pouca-terra pouca-terra,
além vive um monte, a estrada e a esfera, pouca-terra pouca-terra,
há uma frisa que espera, pouca-terra pouca-terra pouca-espera:
áh, o desalento, pouco vento;
silêncio
mudo
pouca terra
pouco tudo!

Adiante, numa curva
a dor sorri: é triste e lindo
o rio aos pedaços, as nuvens nos meus braços
e pouca terra poucos passos: é altura de rasgar o bilhete
para que nunca pare a viagem? Pouca terra pouca aragem
muita dor a vestir a margem!

Pouca-terraaaa, pouca-terrrrraaaaaa, devagarinho
de mansinho, há gente que ainda dorme, pouca terra pouca fome…
Na manhã do comboio, acontece atravessar rios, fios de navalha,
pouca terra pouca palha, pouca-terra pouca-terra, o ruído não atrapalha
e as pontes só caem depois do comboio passar, pouca terra pouca guerra
desejo.
Beijo

Sinto pouca-terra pouca-terra, o gemer da linha
pouca terra pouca minha, descanso a alma
no forno, na caldeira, pouca terra pouca eira;
atravesso a feira, adormeço a esteira, pouca-terra pouca-terra,
algemei a partida, adio a chegada, pouca terra pouco… e nada.

Eh! Eh! Afastem-se!
Vou passar, pouca-terra pouca-terra,
vou passar, pouca terra nenhum mar!

As distâncias que conheceis são gotas d’água
que já não me podem encharcar, pouca-terra pouca-terra,
pouca terra pouco ar: respiro-me.
Sempre que posso. E asfixio a pele que visto
com o desespero que sinto ao ouvir pouca-terra pouca-terra,
pouca terra
aterra
enterra
muito devagarinho pooouuuca-terrrrrrrraaaaaaaaa pooouuuca-
terrrrrrraaaaaaaaa

Para que serve um comboio vazio,
pouca terra pouco rio.
E tanto frio!
Colinas, espinhas, estas viagens
já não são minhas: o bilhete fugiu
antes que o pudesse pagar, pouca-terra pouca-terra,
pouca terra pouco voar.

Estou na manhã do comboio
cujo vento ao passar me oferece um ramo de silêncios;
e é assim que encontro sempre os meus amigos…
pouca terra sempre feridos, pouca-terra pouca-terra,
um dia não é nada, uma manhã é uma vida,
pouca terra pouca vida.

Se eu parar o comboio, se eu o souber parar,
alguém me esquecerá
a chorar…

Luís Nogueira
lido por Eduardo Roseira

PORTO

Fernando Gomes
PORTO

O Porto das varandas feitas rendas,
O Porto das janelas d’encantar.
O Porto em que o rio é d’oiro quand’o banha,
E é de prata, quando chega ao mar.

O Porto da ribeira medieva,
O Porto das muralhas Fernandinas,
O Porto do Passeio das Cardosas,
O Porto das manhãs com neblinas.

O Porto de Camilo e Júlio Diniz,
O Porto de Garrett e Arnaldo Gama,
O Porto de António Nobre e Augusto Gil,
E tantos outros que lhe deram fama.

O Porto do Imperial e Magestic,
O Porto do ex-Paladium e ex-Rialto
E de outros cafés que já se foram,
Em que as tertúlias tinham ponto alto.

O Porto das cinco pontes majestosas,
Duas delas monumentos mundiais,
O Porto das alminhas da Ribeira,
Onde ainda nos parece ouvir seus ais.

O Porto do Infante D. Henrique,
O nosso grande herói navegador,
O Porto da partida para Ceuta,
O Porto que a ajudou com todo o ardor.

O Porto da bela torre dos Clérigos,
O Porto que deu nome a Portugal,
Mereceu, com toda a dignidade,
Passar a Património Mundial.

Maria Antónia Ribeiro
in "Sentir"