quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

25 DE ABRIL

Carlos Alberto Santos
25 DE ABRIL

E tu ó meu povo, meu povo sagrado
te digo
com lágrimas no rosto, escorrendo pelo peito
com este geito
que tenho de chorar de emoção
que fizeste a maior, a mais bela e forte
a mais sedutora e poética
das jornadas da vida e do amor
contra a morte
Que fizeste Abril quando
já nenhum outro povo pensava
que Maio pudesse ressuscitar.
Tu fizeste um novo Maio
uma Comuna dos sem esperança
vingaste o Ultimatum, vingaste Soeiro, vingaste o Tarrafal
trouxeste Portugal
para as páginas do mundo
fizeste o país novo surgir
do restolho das lixeiras mundanas
e trouxeste o brilho que dos olhares tinha fugido
e o sangue lusitano voltou a correr-te nas veias
e mil sóis atómicos na poesia dos caminhos
fizeste sentir.
Da aldeia à capital alimentaste o fogo sacro
milhentas vezes repetido
a plenos pulmões
em hossanas que acordaram as pedras mais antigas
que despertaram os palácios e as retretes públicas
e atroaram os ares
fazendo resplandecer os vidros foscos das janelas foscas
das persianas cerradas há séculos.

E tu, ó Povo, meu povo eleito
para escrever enfim com o suor do trabalho
a semente da palavra
fincaste no duro chão a bandeira que já ninguém brandia
e com ela te vestiste e com ela viveste e com ela dormiste
no intervalo de cada jornada
apesar dos broncos de gabinete
dos medíocres de meia tijela
dos enterrados vivos na lama dos chefes
dos que seguram com raiva o livro de cheques.

Tu, que nem sabes
nem mesmo hoje sabes
tudo o que fizeste, tudo o que pudeste, tudo o que nos deste.
Tu a quem jamais foi dito
como sempre acontece nas páginas da História
quando se superam os factos e se atinge a morte
com a força da vida,
que tinhas feito ABRIL ao fazer-te adulto
que tinhas ganho Abril ao tornar-te culto
que tinhas triunfado do teu fado oculto
e que agora surgias na manhã do nevoeiro último
como um raio divino que tudo esclarece
como a aurora do mundo cujo amor enobrece
tão vitorioso que nem deste por isso
tão natural foi Abril para ti
ao dá-lo assim a tudo o que na Terra há
de vivo e subtil.

Fernando Morais
in "O Poeta Escondido"

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