sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O SECRETÁRIO DE ESTADO

Ameneiros
O SECRETÁRIO DE ESTADO

(pequena história para adormecer crianças irrequietas)

Face à rua do outro lado
vivia o poema interno
da varanda e do telhado
espreitava o movimento
dessa rua do Inverno.

Um Secretário de Estado
sempre em mau estado ia
vestia saia e casaco
conforme lhe competia
e colarinho engomado

Ia ele devagar
e muito compenetrado
a ninguém dava os bons dias
e a rua do outro lado
tinha um poema interino
que estava a ser vigiado
com cuidado Diamantino.

O Secretário de Estado
ordenara aos seus serviços
que não perdessem pitada
dos passos desse poema
na rua do outro lado.

Queriam ver se apanhavam
esse poema interino
nalguma falta maior
que lhe mudasse o destino
mas o poema era esperto
não se deixava apanhar
fugia pela fechadura
mudava o lado da rua
e nunca ficava perto

Quis a má sorte que um dia
o Secretário de Estado
ficasse de lumbalgia
e o poema dançou
na varanda e no telhado
na rua do outro lado
que era o lado donde via
tudo o que tinha passado.

E houve muita alegria
e os serviços pararam
e toda a gente se ria
com o poema contente
da rua ficar de frente
à casa do Secretário
que de nada se apercebia.

Vestia agora pijama
ficava o dia na cama
e fazer, nada podia.
Os serviços na Farmácia
às voltas com a receita
e o poema interino
a tratar da papelada
que de uma forma perfeita
elegesse outro regime
onde todo o secretário
prestasse contas à gente
conforme a lei define
em plena Democracia.

E da varanda ao telhado
o poema cantava o fado
e toda a malta dançava
nem perseguidos havia
na rua da Poesia
na rua do outro lado.

Fernando Morais
in "O Poema do outro lado"

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