quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

POEMA DA MATERNIDADE

José González Collado
POEMA DA MATERNIDADE

“Pode lá ser! Não quero! Não consinto!
Tudo em mim se revolta, a carne, o instinto,
a minha mocidade, o meu amor,
a minha vida em flor!
É mentira! É mentira!
Se o meu filho respira,
se o meu corpo consente,
a minha alma não quer!
Eu não quero ser mãe! Basta-me ser mulher!
Basta-me ser feliz!
E o meu instinto diz:
acabou-se, acabou-se! Agora, renuncia,
começa a tua noite, acabou-se o teu dia!
Tens vinte anos? Embora! A tua mocidade
perdeu chama e calor, perdeu a própria idade.
Resigna-te. És mulher. Foi Deus que assim o quis.
Já foste flor. Agora és só raiz.
Não pode ser! É injusta a minha sorte!
não quero dar a vida a quem me traz a morte.
Recuso-me a sofrer. A minha mocidade
exige-me horizonte e liberdade.
O meu destino há-de ter outro brilho!
Vida, quero viver! E morro, morro…

Filho!
Pode lá ser, Jesus! Eu não mereço tanto!
Filho da minha dor, eu já não choro, canto!
Porquê, Senhor,
há só uma palavra: amor, amor, amor!

Dai-me outra voz que nunca tenha dito
coisas más, coisas vis, e que saiba a Infinito.
Dai-me outro coração mais puro, mais profundo,
que o meu já se quebrou de encontro ao mundo.

Dai-me outro olhar que nunca tenha olhado,
que não tenha presente nem passado.
Dai-me outras mãos, que as minhas já tocaram
a vida e a morte, o bem e o mal, e já pecaram.

Filho, porque seria? Ao vires para mim,
mudaste num jardim
os espinhos da minha carne triste.
E como conseguiste
pintar de sol as horas mais sombrias?

Meu menino, dorme, dorme,
e deixa-me cantar
para afastar
a vida, esse papão enorme.

Vamos agora brincar?
Que brinquedo, meu menino?
O mar, o céu, esta rua?
Já te dei o meu destino,
posso bem dar-te a Lua.

Toma um navio, um cavalo,
uma estrela, o mar sem fundo.
Ainda achas pouco? Deixá-lo
Se quiseres, dou-te o mundo.

Porque não queres brincar?
Porque preferes chorar?...
Jesus! Que tem o meu filho?
Que vida estranha no brilho
do seu olhar?

Uma vida inquieta e obscura,
que eu não lhe dei,
anda a queimar-lhe a frescura.
Ainda hoje, meu filho, não sorriste!
e o teu olhar é triste…
cheiras a noite, a luto, a azebre…
Senhor, o meu filho tem febre,
o seu hálito queima, o seu olhar escalda!
Ele que ao respirar cheirava a cravo,
e tinha um olhar de estrela ou de esmeralda,
agora tem a boca um amargo travo
e cheira a noite, a luto, a azebre…
Senhor! O meu filho tem febre!
Tirai-me dos meus olhos céu e luz,
livrai-me da blasfémia… Deus, Jesus!
Pois se o meu filho morre, se agoniza,
porque há flores no chão que ele não pisa?
Se num coval o hei-de pôr, de rastos,
porque estarão tão alto os astros?
Senhor! Eu sou culpada, eu sei o que é pecado!
mas ele, meu Jesus, ainda não tem passado.
Para mim não há mal que não aceite,
mas ele, ainda tão perto do teu céu!
A sua vida era beber-me o leite…
No olhar com que me olhava tinha um véu
De neblinas, de névoas de outras vidas.

Às vezes, tinha as pálpebras descidas
e punha-se a chorar no meu regaço,
(com saudades, talvez, do céu, do espaço,)
O meu filho tem febre!
Porque andam a cantar pelos caminhos?
Porque há berços e ninhos?
Vida! O meu filho era belo,
o meu filho era forte!
Vida, que mãe és tu? Defende-me da morte!
Vida, Vida, Vida…

Louvado seja Deus! A morte foi-se embora,
já não tens febre agora!
O meu menino vive,
este menino, o meu, que só eu tive!
E o meu menino chora, e eu posso já cantar!
E o meu menino ri, e eu posso já chorar!
E o meu menino vive e toda a vida canta,
toda a terra é uma fresca e sonora garganta!
Que toda a gente o saiba e toda a terra o vejo!
Louvado seja Deus!
Louvado seja!"

Fernanda de Castro
lido por Fernanda Cardoso

1 comentário:

  1. ESTE POEMA É UM POEMA!... DITO PELA NOSSA FERNANDA CARDOSO É UM BELÍSSIMO POEMA.

    ResponderEliminar