Eugénio e os pintores
sei de
pintores que se inquietavam por
pressentirem
uma relação entre a cor e a palavra.
era nos
anos sessenta em s. lázaro, quando
a luz
entardecia, muita gente se afadigava no
lento
regresso a casa, as aves recolhiam e
eles
sabiam que havia alguém para falar
das
águas e das luas e da sombra
das
cores, dos gestos entre as hastes e os farrapos
do
silêncio. seria à mesa do café, numa
sala
cheia de livros, num vão de escada a caminho
do
atelier que lhe propunham essa
revisita
das fontes, das perturbadas melancolias
que ele
havia de dizer por palavras no papel.
mostravam-lhe
os trabalhos, esperando as
justas
perífrases, os ritmos em que haviam de rever
a sua
fome do real nas artes da pintura.
era o
cruzar das solidões comovidas: tudo
seria
reescrito, portuense, partilhado
com uma
densa, irisada exactidão, lá onde
umas
pétalas da música começam
a partir
de uma cor ou de um murmúrio,
de um
rosto ou de uma nuvem,
de uma explosão
do sol, de uma agonia.
era nos
anos sessenta, era em s. lázaro.
Vasco Graça Moura
lido por David Cardoso
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