terça-feira, 17 de maio de 2011

CARTA DE UM CONTRATADO

CARTA DE UM CONTRATADO

Eu queria escrever-te uma carta,
amor!
uma carta que dissesse;
deste anseio
de te ver,
deste receio
de te perder,
deste mais que bem querer que sinto,
deste mal indefinido que me persegue,
desta saudade a que vivo todo entregue…

Eu queria escrever-te uma carta,
amor,
uma carta de confidências íntimas,
uma carta de lembranças de ti…
de ti…
dos teus lábios vermelhos como tacula,
dos teus cabelos negros como dilôa,
dos teus olhos doces como maboque,
do teu andar de onça
e dos teus carinhos,
que, maiores não encontrei por aí…
Eu queria escrever-te uma carta,
amor,
que recordasse nossos tempos na capopa,
nossas noites perdidas no capim,
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos,
o luar que se coava das palmeiras sem fim,
que recordasse a loucura
da nossa paixão
e a amargura da nossa separação…

Eu queria escrever-te uma carta,
amor,
que a não lesses sem suspirar,
que a escondesses de papai Bombo,
que a sonegasses a mamãe Kieza,
que a relesses sem a frieza
do esquecimento
uma carta que em todo o Kilombo
outra a ela não tivesse merecimento…

Eu queria escrever-te uma carta,
amor,
uma carta que ta levasse o vento que passa,
uma carta que os cajus e cafeeiros,
que as hienas e palancas,
que os jacarés e bagres
pudessem entender…
para que se o vento a perdesse no caminho,
os bichos e plantas
compadecidos de nosso pungente sofrer,
de canto em canto,
de lamento em lamento,
de farfalhar em farfalhar,
te levassem puras e quentes
as palavras ardentes,
as palavras magoadas da minha carta
que eu queria escrever-te, amor…

Eu queria escrever-te uma carta…

Mas ah meu amor, eu não sei compreender
por que é, por que é, por que é, meu bem,
que tu não sabes ler
e eu – Oh! Desespero! – não sei escrever também.
                                                            Fernanda Cardoso

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