sexta-feira, 25 de maio de 2012

INVEJA PURA

INVEJA PURA

Dois piões desconhecidos,
isolados,
sulcando o chão ao girar
- marcas avulsas,
indecifráveis,
de intermináveis corrupios.
Sinais de um cirandar sem ter rumo
- narcísico destino de quem se equilibra a rodar
à volta de si mesmo,
apenas.

Voltas e reviravoltas às cegas, sem tino!
Todavia, de permeio,
houve um tempo em que o acaso
nos colocou face a face e nos quedou,
e os nossos olhos,
deslumbrados,
se cruzaram e se entenderam
e as nossas mãos,
sequiosas,
se ofereceram e se buscaram.
Em radiosa clareira,
fundiram-se então nossos passos
e os corpos, alvoroçados, envolveram-se
em momentos jubilosos de uma loucura feliz.

Eu não sei qual foi o tempo,
nem quando,
nem quanto foi,
mas sei
que as esferas entoavam música da sua harmonia
e que o mundo readquiria o estádio virginal
dos seus começos.
Os anjos vieram todos, em reboada,
outra vez,
envoltos em luminosidade e pureza.
E lá de cima,
do alto da sua janela,
começaram a espreitar,
arregalando os olhos
como se a vida e o nosso enleio
tivessem escapado à sua ordem,
adquirindo foros de maldade,
falta grave ou de pecado.

Mas nunca o Éden tinha estado tão frondoso,
tão florido e tão festivo,
e via-se bem
que aquele olhar de soslaio,
aquele tom reprovador
que a corte angelical ostentava,
era apenas um disfarce
a trair o seu despeito,
e a pôr cá fora
a inveja que a todos roía. 

Miguel Leitão
9 de Maio de 2012

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