É um pintor que se
mostra, vindo da planura alentejana para o cosmopolismo portuense que por certo
o influenciará para novas inflexões temáticas.
A obra que ali se
mostra, cheia de Rio Douro, com o velho burgo ao fundo, é promessa de mais um
artista que transportará para a espessura da tela, ou para a transparência da
aguarela, esta velha cidade que já inspirou tantos dos nossos pintores, como
Dórdio Gomes, António Cruz e Júlio Resende, para só referir alguns dos mais
antigos.
O que aqui vemos são
pedaços do nosso Portugal esplêndido que continua a ser a jóia da Europa em
matéria de belezas naturais, apesar da inoperância que de Lisboa vai tornando
difícil a vida das suas gentes:
Avivo no teu rosto o rosto que me deste,
E torno mais real o
rosto que te dou.
Mostro aos olhos que
não te desfigura
Quem te desfigurou.
Criatura da tua
criatura,
Serás sempre o que
sou.
E eu sou a liberdade
dum perfil
Desenhado no mar.
Ondulo e permaneço.
Cavo, remo, imagino,
E descubro na bruma o
meu destino
Que de antemão
conheço:
Teimoso aventureiro
da ilusão,
Surdo às razões do
tempo e da fortuna,
Achar sem nunca achar
o que procuro,
Exilado
Na gávea do futuro,
Mais alta ainda do
que no passado.
(Portugal, Miguel
Torga, in 'Diário X')
Desde logo o Alentejo
com as profundidades calmantes das suas lonjuras e paisagens características:
Horas mortas… Curvada
aos pés do monte
A planície é um brasido… e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!
E quando, manhã alta,
o sol posponte
A ouro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!
Árvores! Corações,
almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!
Árvores! Não choreis!
Olhai e vede:
- Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota d´água!
(Florbela Espanca)
Temos Óbidos, ícone
dos percursos das antigas terras ancestrais que ousaram contrariar as
decadências das eras:
Quem por ti, Óbidos,
passa,
Sente o fascínio do
tempo,
Ao evocar a desgraça
Das guerras, cuja
ameaça
Vinha nas vozes do
vento
Manténs cercadas de
ameias
Ruas estreitas,
vielas.
Mas o fluir das
ideias
Que, sem fragor,
incendeias,
Não cabem lá dentro
delas.
Contam teus muros
histórias
De sangue, heróis e
pelejas,
De resistência,
vitórias.
E, dessas tuas
memórias,
Renasces, como
desejas.
(Vítor Cintra, No
livro: MOMENTOS)
Aqueles quadros ali
transportam-no às verdejantes paisagens que refrescam os olhares de quem nos
visita.
Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.
Campo, que te
estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos
mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.
Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.
(Luís de Camões)
Parte desse verde são
as vinhas que Carlos Almeida tão bem delineia, fazendo-nos presente dessa
realidade tão portuguesa, que levou uma personagem do antigamente a dizer que o
vinho dá de comer a um milhão de cidadãos:
Não só vinho, mas nele o olvido, deito
Na taça: serei ledo,
porque a dita
É ignara. Quem,
lembrando
Ou prevendo, sorrira?
Dos brutos, não a
vida, senão a alma,
Consigamos, pensando;
recolhidos
No impalpável destino
Que não 'spera nem
lembra.
Com mão mortal elevo
à mortal boca
Em frágil taça o
passageiro vinho,
Baços os olhos feitos
Para deixar de ver.
(Ricardo Reis, in
"Odes")
E o mar? Está aqui
representado em todo o esplendor que nos enche a alma, esse mar que nos torna
saudosos quando daqui nos ausentamos, e que sempre foi causa de exaltação dos
espíritos portugueses que por ele se lançaram na demanda dos quatro cantos do
mundo.
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de
Portugal!
Por te cruzarmos,
quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão
rezaram!
Quantas noivas
ficaram por casar
Para que fosses
nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo
vale a pena
Se a alma não é
pequena.
Quem quer passar além
do Bojador
Tem que passar além
da dor.
Deus ao mar o perigo
e o abismo deu,
Mas nele é que
espelhou o céu.
(Fernando Pessoa)
E o sol? São, a maior
parte delas, paisagens iluminadas, a dar nota desta luz tão própria do nosso
país, a encher-nos a alma, a despeito de todas as tragédias por que nos fazem
passar:
Bendito seja o mesmo sol de outras terras
Que faz meus irmãos
todos os homens
Porque todos os
homens, um momento no dia, o olham como eu,
E, nesse puro momento
Todo limpo e sensível
Regressam
lacrimosamente
E com um suspiro que
mal sentem
Ao homem verdadeiro e
primitivo
Que via o Sol nascer
e ainda o não adorava.
Porque isso é natural
— mais natural
Que adorar o ouro e
Deus
E a arte e a moral...
(Alberto Caeiro)
Também por aqui há o
tradicional nevoeiro tão característico da nossa costa. Basta reparar na
mestria do quadro “Manhã de Nevoeiro” com que o autor nos faz lembrar outros
nevoeiros:
Nem rei nem lei, nem
paz nem guerra,
define com perfil e
ser
este fulgor baço da
terra
que é Portugal a
entristecer –
brilho sem luz e sem
arder,
como o que o
fogo-fátuo encerra
Ninguém sabe que
coisa quere.
Ninguém conhece que
alma tem,
nem o que é mal nem o
que é bem.
(Que ância distante
perto chora?)
Tudo é incerto e
derradeiro.
Tudo é disperso, nada
é inteiro.
Ó Portugal, hoje és
nevoeiro...
(Fernando Pessoa)
Em termos de
lucubrações temos obras interessantes. Destaco esse sublime exercício plástico
que o autor denominou “EVA” e que, na verdade, nos transporta à recorrente
inquietação da procura da nossa matriz, de sabermos quem somos, de onde viemos
e porque viemos:
Não sei quantas almas
tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me
estranho.
Nunca me vi nem
achei.
De tanto ser, só
tenho alma.
Quem tem alma não tem
calma.
Quem vê é só o que
vê,
Quem sente não é quem
é,
Atento ao que sou e
vejo,
Torno-me eles e não
eu.
Cada meu sonho ou
desejo
É do que nasce e não
meu.
Sou minha própria
paisagem,
Assisti à minha
passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me
onde estou.
Por isso, alheio, vou
lendo
Como páginas, meu
ser.
O que segue não
prevendo,
O que passou a
esquecer.
Noto à margem do que
li
O que julguei que
senti.
Releio e digo: «Fui
eu?»
Deus sabe, porque o
escreveu.
Fernando Pessoa
Parabéns, pois, a
Carlos de Almeida, pela sua excelente exposição, esperando que esta seja a
primeira de muitas outras suas exposições nesta casa.
É já facto notório no
Porto e arredores, que esta casa fez sua razão de ser a difusão da arte em
todas as suas vertentes: artes plásticas, literatura, música, artes
tradicionais, e outras que se venham a desenhar no nosso horizonte. À nossa
porta acode gente de várias latitudes, acedendo aos nossos convites. Da banda
dos edis camarários é que não nos tem vindo retorno aos convites. Mas agora,
parece que a Exma Câmara Municipal nos tomou de ponta.
Dá-se o caso de há 4
anos termos mudado o nome, que era Livraria dos Lóios, como antes o fora
Livraria Católica Portuense, desde 1921 e antes disso Livraria Moderna desde o
século 19.
Escolhemos então como
patrono o maior pintor português, do Porto, dos finais do século XVIII e
começos do século XIX: o Vieira Portuense, que ao lado de Domingos Sequeira,
engrandeceram aqueles tempos portugueses, estando a sua obra projectada, quer
no País, quer no estrangeiro.
O pintor Vieira
Portuense está homenageado numa ruelazinha da Boavista através de uma placa
toponímica.
Nós colocamos nas
nossas vitrinas tarjas com o nome do Mestre, para que se soubesse que era aqui
a Galeria Vieira Portuense.
Os da Câmara
Municipal não gostaram, vieram-nos tirar os letreiros e puseram-nos um
processo. Eu sei que o governo de uma cidade tem razões que a razão desconhece.
Mas…
Todos os dias os
ministros dizem ao povo
Como é difícil
governar. Sem os ministros
O trigo cresceria
para baixo em vez de crescer para cima.
Nem um pedaço de
carvão sairia das minas Se o chanceler não
fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda
Mais nenhuma mulher
poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra
Nunca mais haveria
guerra. E atrever-se ia a nascer o sol
Sem a autorização do
Führer?
Não é nada provável e
se o fosse
Ele nasceria por
certo fora do lugar.
E também difícil, ao que
nos é dito,
Dirigir uma fábrica.
Sem o patrão
As paredes cairiam e
as máquinas encher-se-iam de ferrugem.
Se algures fizessem
um arado
Ele nunca chegaria ao
campo sem
As palavras avisadas
do industrial aos camponeses: quem,
De outro modo,
poderia falar-lhes na existência de arados? E que
Seria da propriedade
rural sem o proprietário rural?
Não há dúvida nenhuma
que se semearia centeio onde já havia batatas.
Se governar fosse
fácil
Não havia necessidade
de espíritos tão esclarecidos como o do Führer.
Se o operário
soubesse usar a sua máquina
E se o camponês
soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas
Não haveria
necessidade de patrões nem de proprietários.
E só porque toda a
gente é tão estúpida
Que há necessidade de
alguns tão inteligentes.
Ou será que
Governar só é assim
tão difícil porque a exploração e a mentira
São coisas que custam
a aprender?
Bertolt Brecht
Das artes que por cá
se exercitam, a poesia tem sido uma presença constante, com lugar marcado ao
terceiro Sábado de cada mês.
Um grupo de poetas, e
de pessoas que gostam de poesia, têm presença agendada para estas tertúlias, sempre
ao terceiro Sábado de cada mês, cada vez em maior número, por que ser poeta
Ser poeta é ser mais
alto, é ser maior
Do que os homens!
Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar
como quem seja
Rei do reino de Aquém
e de Além Dor!
É ter de mil desejos
o esplendor
E não saber sequer
que se deseja!
É ter cá dentro um
astro que flameja,
É ter garras e asas
de condor!
É ter fome, é ter
sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs
de oiro e de cetim ...
É condensar o mundo
num só grito!
E é amar-te, assim,
perdidamente ...
É seres alma, e
sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a
toda a gente!
Florbela Espanca
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