DEIXA LÁ
a metáfora resiste
e estrebucha
ganha forma
insidiosa e busca
maneira mais subtil
de se afirmar
faz-se ideia
revoltada cínica
faz-se infâmia
criatura
metamórfica sedutora
vontade perfumada
de dizer
que ultrapassa e é
mais do que a figura
na qual e para a
qual tu a criaste
e grita
esperneia para além
de todos nós
que a pensamos
não nos respeita
foge para reinos tão estranhos
que nos deixa como
órfãos tristes desolados
a metáfora torna-se
diferente cresce
e não explica
não explica nada
à metáfora só
desejaria todos os suplícios
não fosse ignorar
como dizer
sem ela
o que não pode ser
guardado
que tu és o mar
(mais do que uma
imagem
cópia imperfeita
desse mar)
és mais que as
ondas mais que a cor
mais que a
imensidão absurda
tu és o mar o
cheiro a mar
portanto
recordas a cor e a
frescura
as viagens por
fazer o amor já feito
fazes ondas quando
queres
e tens o aroma e
ponto
o resto é entre ti
e a metáfora
pois és virtude ela
defeito
o mar é grande e é
profundo
e tu és para além
disso
és mais que tudo és
outro mundo
o mar são as
sereias
os golfinhos que
procuram
e não veem o nosso
lado melhor
e são águas nas
areias
quentes ir e vir
dos nossos dias
o mar são os
salpicos quando os pés
na hesitação dos
corpos
brincam atrevidos
evitando o calafrio
do mergulho
o mar é o caminho
entre nós
e as américas
possíveis
espaço imenso por
dizer
conquistas
descobertas e trilhos escondidos
rotas invisíveis
apagadas pelas
vagas de si mesmo
o mar são as
histórias que o tempo
coloriu com seus
mistérios
é a terra dos
atlantes
é a luz do sol
filtrada distorção incrível
pelo excesso e
falta dela
o mar é a esperança
de quem foge
proscritos em
terras negras e pesadas
o mar é uma
fronteira sem donos nem tiranos
estrada sem limites
sem pegadas
o mar é ilusão
miragem que agarra
e que sustém
respiração
e é então
que tu te irritas
com a metáfora
e levantas mar crispado
o mar és tu
porque me lembras
tanta coisa que não explico
a raiz de todas as
imagens
belas tão somente
porque dizem
sem conter e
compreender
sem complicar e nos
prender
que o mar sendo o
teu cheiro
é também a
tempestade
a revolta que se
instala
que nos quebra nos
afoga
são titãs
inconformados
com o fim dos
sonhos
dos seus deuses
reformados
a negação do ar e a
negação dos olhos
profundeza e
escuridão
o mar é uma
masmorra
tu não
por isso tem
cuidado
com a riqueza das
palavras
que as metáforas
que colho
ao passar nos
campos verdes
dos poemas
são adubo e são a
rega
mas não são
nem podem ser
as maçãs com que te
tento
pois não
o fruto és tu
quando digo que tu
cheiras como o mar
não te zangues com
a metáfora
não a arrastes
pelos cabelos
serpentes que te
enganam e te puxam
por caminhos mais
sombrios
maremotos e
correntes perigosas
ouve apenas o
espaço entre as palavras
deixa entrar os
rios
deixa
aproveita a luz do
sol
a chuva quando cai
deixa
que a simplicidade
maior que há
é deixar ir
Eduardo Leal
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