A JANELA
A luz do sol numa oferenda
descia sobre a janela;
e a cortininha de renda
transmitia, através dela,
a sombra da laranjeira
que bailava, louca ao vento,
sua eterna brincadeira,
tão presa como eu no tempo!
Àquela hora do acaso
em que o sol d’oiro esbatido
se debruçava ao acaso,
num livro aberto, esquecido,
eu pensava quanto o mundo,
sendo na vida um momento,
às vezes é tão profundo,
tão rico de sentimento!
No enquadrar da janela,
a minha neta, a Ainhoa,
que vive lá dentro dela…
é a canção de Lisboa
e o flamenco andaluz
no seu corpo em puberdade;
dois mundos em contraluz
sentido em disparidade…
Dentro da mesma janela
oiço a voz da Beatriz:
- Te quiero mucho abuela –
dedinho em riste me diz!...
Olhos a janela, o momento
em que me embala a doçura…
existe um céu ternurento
dentro daquela abertura!
Ficou-me preso na alma
esse recanto tão vasto!...
Nos longes da tarde calma,
outro recanto assim casto
no coração está presente!
Na vida nada fenece…
outro espaço, outro lugar,
tudo de novo acontece
se quisermos recordar!
Maria de Lourdes Martins
in Castelo de Legos
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