Carlos Dugos
BOTÕES DE PUNHOMesmo que de madrepérola,
de osso, vidro ou marfim
o botão cosido ao punho
é corriqueiro,
sempre um objecto banal.
Útil,
necessário,
mas não conseguindo ir além
de mero serviçal
de uma peça de vestuário.
Sem ter existência autónoma
nem vida própria, pessoal,
vive em função da camisa
a que está agrilhoado,
sem outra razão de ser
que não seja
a de lhe manter
o punho abotoado.
Não conhecendo liberdade
nem margem de movimentos,
está preso à fatalidade
de morar em pobre casa
e de não poder sair,
nem sequer por uns momentos,
do punho da humilde manga
daquela peça de vestir.
Para além da escravatura,
-- horizonte dos seus dias --,
corre o risco de afogamento
se a camisa vai a lavar,
ou de grave queimadura,
se alguém a engomar.
E não consegue sobreviver
à peça a que foi costurado,
e esta se rompe e se acaba,
ou se o dono a põe de lado.
O fim que lhe está reservado
é ser jogado no lixo
e, mesmo aí,
continuar acorrentado
ao velho trapo,
esquecido e abandonado,
por estar fora de serviço.
Distinto, com categoria
é o clássico botão de punho
feito de prata,
de ouro branco ou amarelo.
Pode ser de fantasia,
mas com pedra a reluzir
de tal jeito
que apregoe a toda a gente
a “classe” de quem o usa:
um aristocrata perfeito,
não a fingir,
mas a sério,
um “gentleman”
um verdadeiro senhor.
Dotado de autonomia,
é independente da roupa que alinda
e, a fim de se instalar
conforme é de seu querer,
são postas ao seu dispor
não uma, mas quatro casas
para se poder mover.
Aplicado em punho duplo
nos pulsos de um cavaleiro
é apreciado por si,
pelo que é
e pelas suas qualidades
-- a elegância que possui,
a beleza que encerra,
o material que o constitui,
mais que o valor em dinheiro.
Depois,
no caso de uma herança,
pode ter ainda outro mérito:
o de ter sido pertença
de um cidadão emérito
ou de alguém
a que se queria muito bem.
Por isso é sempre estimado,
e dotado
de vida longa,
sobrevivendo às gerações.
Tenho um par aqui ao pé,
em caixa desconjuntada
que retiro da gaveta
forrada
a estopa ou pano de linho.
Abro religiosamente a caixa,
com cuidado
e com carinho,
como quem espreita uma relíquia
ou um objecto sagrado.
Alinhados,
dentro dela,
e a fitar-me, esbugalhados,
aí estão eles, que nem olhos:
dois lindos botões prateados,
enfeitados
com uma pérola amarela.
Eram o luxo de meu Pai,
nos seus tempos de rapaz
e de galã.
Mas certo domingo,
de manhã,
anunciava o sino a missa,
aproximou-se de mim,
era eu moço pequenino,
e, com um doce beijo na testa
aplicou-mos na camisa
a fim de eu poder brilhar
no primeira comunhão!
Que importante me senti,
que ufano,
que crescido,
que vistoso figurão
no meio dos outros meninos!
Passei mais tarde a usá-los
sempre que era ocasião,
em dias santos, dias de ano,
em reuniões, solenidades,
acontecimentos mundanos
e encontros sociais.
E quem ficava vaidoso
e quem se orgulhava mais
não era eu,
mas meu Pai.
Cá estão eles a olhar para mim
com ares de repreensão
por os ter aqui retidos,
completamente esquecido
de os passar,
como seria meu dever,
a meu Filho,
rebento jovem
de outra e nova geração.
Miguel Leitão
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