Cosme
O QUE IMPORTAEstão prestes a soar as badaladas da meia-noite,
Mas o Ano-Velho não pode expirar sem
Surgir mais um poema.
Sobre quê? O tema?
Não importa.
O que importa é esta urgência de
Escancarar as janelas da alma e
Deixar sair as emoções que
Escorrem pelas suas paredes já gretadas,
Carcomidas.
O que importa é dar vazão ao que
Se insinua,
Cresce e se avoluma
Cá dentro,
E canta e geme num langor sem fim.
O que importa é deixar sair,
Palavra a palavra,
E escura mágoa de estar só
E sorrir
Ao calor de mãos amigas que se estendem
E nos procuram.
O que importa é desfolhar as roxas pétalas da
Flor do desespero
E acalentar o fúlvido amor,
Bálsamo capaz de içar
E redimir todos os bens que há no mundo.
O que importa é dissipar os fantasmas negros do
Medo de um amanhã sem projecto e
Percorrer os trilhos verdes de
Um futuro com esperança.
O que importa é sanar
A pálida chaga da
Incompreensão,
O cancro do isolamento e atiçar
O diáfano brilho do entregar-se aos demais.
O que importa é arejar a alma,
Libertá-la,
Deixar respirar as paixões
Escutar-lhes o sussurro
E atender ao seu anseio de assomar á luz do dia.
Não importa dizer coisas, contar episódios em que
As palavras tão bem se prestam
A embrulhar,
A aprisionar
E a trazer conceitos
Para construir o mundo em que cada um vive.
Em vez da palavra-coisa,
Da palavra presentificadora do que não estava aqui
E passou a estar,
Importa a palavra-amor,
A palavra instauradora da estima,
Da amizade,
Da confiança,
Da solidariedade,
Da simpatia,
Do bem-querer!
Deseja-se uma poesia de afectos, não de ideias:
Uma poesia mais para sentir que interpretar.
Que as palavras sejam onomatopeias do sentir.
Só assim as relações pessoais ganharão cor
E o coração pulsará com outro ritmo.
Miguel Leitão
in Em nome das palavras
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