sábado, 30 de outubro de 2010

CARTA PARA UM AMIGO

Carlos Dugos
CARTA PARA UM AMIGO

Meu prezado Amigo:

Obrigado pelas imagens que, por e-mail, me enviou. Não entro no jogo da retribuição porque não tenho à mão, nenhuma imagem especial e, se a tivesse, não saberia como fazer-lha chegar. Envio-lhe PALAVRAS que, muitas vezes, também são bonitas!
As palavras dizem, contam, descrevem, ensinam, provam, justificam e explicam. Com palavras podemos fazer muitas coisas às pessoas: prometer, elogiar, bendizer, abençoar, amaldiçoar, ameaçar e ofender. Com elas acariciamos e exprimimos o nosso amor; com elas fazemos mal e projectamos o nosso ódio.
Há palavras que abatem, arrasam, e aniquilam uma pessoa, mas há também as que nos põem em pé, nos sustentam e dão vida. O que elas nos dizem pode acalentar-nos, tornar-nos feliz ou, então, diminuir-nos, empurrar-nos pela ladeira da desventura.

Conheçamo-las e estejamos conscientes do seu poder. Respeitemo-las e saibamos usá-las para que se mantenham como arma dócil e obediente, fazendo exactamente o que queremos que elas façam, procurando que não prejudiquem ninguém.

Apreciemo-las no seu poder e contemplemo-las nos matizes com que se apresentam: há palavras de mutas cores e podem ser proferidas em muitos tons, conforme a alma de quem as diz. Por isso podem ser perigosas, traidoras, revelando aos outros o que não lhes queremos mostrar!

Eugénio de Andrade diz-nos a seu respeito:

São como um cristal,
As palavras.
Algumas, um punhal,
Um incêndio.
Outras,
Orvalho apenas,

Secretas vêm, cheias de memórias.
Inseguras navegam:
Barcos ou beijos,
As aguas estremecem,

Desamparadas, inocentes,
Leves.
Tecidos são de luz
E são a noite.
E mesmo pálidas
Verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escutas?
Quem as recolhe, assim,
Cruéis, desfeitas,
Nas suas conchas puras?

Pois é, as palavras seduzem-nos:
Como o cristal, são duras e, simultaneamente, frágeis e delicadas!
Transparentes e, ao mesmo tempo, conseguem camuflar os maiores segredos do mundo!
Atraem-nos pelo brilho e musicalidade, tal como são capazes de nos devorar, precipitando-nos no mais fundo dos abismos.

Elas são, de facto, no dizer de Eugénio, como um cristal. E, com ele, perguntamos também: - Quem as escuta? Quem as recolhe, assim, cruéis, desfeitas, nas suas conchas puras?

Não dê importância a estas reflexões.

Aceite só um abraço.

Miguel Leitão
in Em nome das palavras

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