quarta-feira, 13 de outubro de 2010

COMO QUEM FAZ ESCULTURA

Alberto d' Assumpção

COMO QUEM FAZ ESCULTURA


Constrói-se o poema
ao jeito de quem faz uma estátua.

É necessário uma ideia forjada no coração,
para que o impulso da emoção
ilumine, incendeie,
entusiasme,
dê cor e forma àquilo que se quer fazer.

Decide-se então o material
em que a ideia há-de encarnar
e ganhar corpo:
o barro, o granito, o bronze…
ou as palavras.

Palavras…

… nunca ao acaso,
mas seleccionadas
entre os inúmeros milhares
da reserva vocabular da língua.

… eficientes,
prestando-se a traduzir
aquilo que vai cá dentro,
e se quer compartilhar.

… e têm de se harmonizar,
de se afeiçoar umas às outras,
encaixar-se,
equilibrar-se,
evitando aliterações,
hiatos,
repetições,
cacofonias desajeitadas.

Fazer poemas
é pôr em pé estátuas de liberdade e de palavras,
em que as correcções
e os amiudados retoques
dão a sensação de um eterno recomeço.

E o poeta não desiste. E persiste.
E não se cansa,
nem descansa
enquanto não der fé no poema
daquela musicalidade a romper
e que há-de aconchegar os ouvidos

               como água de um ribeiro,
               o cantar do rouxinol
               ou o riso da criança!

Miguel Leitão

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