António Sampaio
As palavras que dizemos são
Balões soltos no ar,
Forças vivas,
Coloridas,
Flores erguendo-se à luz em tardes cheias de sol.
Pombas mansas de afeição, trazem
Lembranças, recados,
Doces mensagens a alongar a amizade e a
Encurtar a distância entre as pessoas que se querem.
Cortantes, frias, geladas,
As palavras que dizemos,
Às vezes, são navalhadas,
Golpes certeiros de lâmina,
Gume afiado a abrir chagas
Sangrentas,
Incuráveis,
Na alma de quem as ouve.
As palavras que escrevemos são
Velas içadas ao vento,
Barcaças a navegar em rios brancos de papel
E a lavrar em suas águas
Profundos sulcos
Falantes,
Repletos de sentido.
Com as palavras que escrevemos,
O branco rio inexpressivo,
Cinzento,
Abre-se em cor e ganha voz.
Fica com alma
E todo ele é um arraial,
Um alvoroço,
A prenunciar emoções
E aventuras sem limites.
Desobedientes,
As palavras que escrevemos
às vezes perdem o rumo,
Hesitantes, inseguras,
Debatem-se em espirais,
Carentes de significação e de norte:
Dobram-se, enrolam-se,
Contorcem-se,
Volteiam e, sem pujança,
Pairam à deriva,
Ao sabor de tempestades
Que as arrastam, dilaceram e sufocam.
Silenciosas,
As palavras que calamos são
Pólvora seca,
Armadilhas,
Bombas camufladas cá dentro
E prestes a explodir.
As palavras por dizer,
Gritos mudos que abafamos
A queimar em nosso peito,
São emboscadas perigosas.
Como brasas sob cinzas,
São disfarces,
Embustes a encobrir ódios e a
Esconder raivas antigas.
São vulcões adormecidos
A ruminar lavas medonhas,
Escaldantes,
E com a malvadez a trair-se na cratera do olhar.
Há ainda outras palavras,
Ocas, coitadas!
Que nada querem dizer.
Sem cor e sem expressão
São como cestos vazios,
Papel de embrulho enlaçado
Sem conter nada por dentro.
Essas palavras balofas,
Vagidos insignificantes
De quem simplesmente abre a boca
E diz coisas por dizer, são
Um pôr cá fora,
Um desejo para a rua que não afecta ninguém.
Pobres palavras inofensivas que já ninguém
Toma a peito e que…
... nem o vento quer levar.
Miguel Leitão
in Em nome das palavras
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