sábado, 30 de outubro de 2010

OS POEMAS NÃO TÊM AUTOR

MIGUEL ÁNGEL GONZÁVEZ PAÚL

OS POEMAS NÃO TÊM AUTOR

Tirem o autor aos poemas
Que os poemas não têm autor.

Os poemas são arte e são vida
E a arte é universal
Não tem dono
Nem tempo
Nem lugar
E a vida é também universal
Como o é o direito de viver.

Os poemas não têm autor
E quem os faz pode não ser tão poeta
Como o é o que os lêem e os sentem.

Fazer poemas é materializar,
É tentar construir com palavras já fabricadas
Belezas intraduzíveis;
Fazer poemas é uma técnica
- detestável técnica –
Cega e material como todas as técnicas
E belo é sentir em nós uma verdade mui nossa
E uma emoção bem velada.

Ledos poemas existem para lá dos olhos,
No âmago da alma do povo
- do povo que chora,
Do povo que ri,
Do povo que canta,
Do povo que reza,
Do povo que sofre,
Mas que não sabe palavras.

Eu não quero que o Cântico negro seja de José Régio nem Lisboa revistada de Álvaro de Campos porque realmente não são deles.

Se são,
Que os levem
Que os ensopam
Que os enterrem consigo.

Estes e outros poemas não são de quem os fabricou.
São meus.

Já disse que são meus
E são teus
Que os sentimos
Que os incarnamos
Que os exprimimos caladamente
Porque não temos palavras.

Tirem o autor aos poemas
Que os poemas não têm autor.

Miguel Leitão
in Em nome das palavras

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