Carlos Godinho
Foi loucura
Ter aceitado o convite
Para entrar no teu jardim.
Não se deseja o que não se ama e o que
Se desconhece,
Mas tu tinhas vestido a pele do
Dragão mítico dos começos
E sabias de cor os hinos da sedução
E do abismo!
Entreabriste o portão e puseste-te a cantar.
A tua voz era de mel e de veludo
E tinhas o fascínio irresistível das sereias!
Encantado,
Dei comigo, embevecido, no teu
Pomar de frutos ignorados e proibidos.
Ao meu dispor, Éden ambicionado
Com todos os atributos de
Realidade sobejamente cobiçada:
O ar, doce e perfumado,
Deixava-se sorver em delirantes golfadas
Que rejuvenesciam a alma,
Inebriando-a até ao sufoco.
Do alto pendiam rosas, buganvílias,
Glicínias e jasmim, estrelas cadentes
A dar luz e cor ao arvoredo
De que escorria sombra fresca e acolhedora.
Límpido e brilhante serpenteava,
Por entre a navegação,
Um regato de águas claras e suaves,
A cantarolar de pedra em pedra.
O seu murmúrio
Caía cá dentro como
Um convite a lavar os nossos corpos e a
Matar todas as sedes!
Havia o canteiro das especiarias
Em que a inebriante intensidade de exóticos aromas
Fazia adivinhar o aliciante prazer de afrodisíacos manjares.
E eu provei as excelentes iguarias
Que a tua pródiga mão me estendeu.
Fruí todos os paladares,
Ficando a saber qual é o sabor da aventura e da vertigem.
Mas, ai!
Chegara a hora
Da condenação e da catástrofe!
Na outra mão,
Escondida,
Empunhavas a velha espada de fogo
E mantinhas intacta, ainda,
A memória dos rituais da expulsão.
Os teus gestos foram graves
E os teus ácidos dizeres,
Cruéis,
Souberam a fel e a veneno.
Todo o meu ser estremeceu e, então,
Os meus olhos entreabriram-se.
A catástrofe era iminente:
Deambular despojado e nu,
Empobrecido e só,
Eternamente,
Mitigando a dor e o desespero
Do lado de cá dos portões
Que manténs sempre cerrados!
Miguel Leitão
in Em nome das palavras
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