CÂNONE II
Deixa meu amor o teu pensamento ser
montanha
Que terei de vencer palmo a palmo
Deixa o teu espirito ser o meu país
de ausência
Onde por muito que caminhe nunca
chegarei
Deixa meu amor que te leia sílaba a
sílaba
Como quem lê Daniel Filipe, Veiga
Leitão, Mário Claúdio, Sophia,
Saramago
Deixa o teu sonho ser gôndola que
leva a fantasia
Por esta veneza que é o meu corpo
Deixa meu amor o teu corpo sentir o
clima agreste do Tibete
Para bem dentro de mim te abrigares
Deixa que os nossos espasmos,
gemidos, gozos
Sejam a “Canção da Terra” de
Gustavo Mahler
Deixa meu amor que o teu viver seja
como o Rio de Ouro
Que corre entre escarpas, feroz
manso belo e dourado
Deixa que os teus olhos vejam o
arco-íris que une duas cidades
E vê-me na minha rua na “Ribeira do
Mestre Resende”
Deixa meu amor o Ontem ser Hoje e
caminharemos
De mão na mão ao longo de um rio
através da noite até ser dia
Deixa que eu rompa os muros do
silêncio num teclado qualquer
Assim na noite dos teus olhos tão
impudicamente puros
Deixa meu amor lembrar-te o poema
de Luís Veiga Leitão
A uma bicicleta desenhada na parede
da prisão “mas que era um carro”
Deixa-me cantar-te como se canta o
Homem amado – Amo-te!
Como se canta o Homem esperado –
Quero-te em mim!
Deixa meu amor ser a que te espera
e que na impaciência
Roda os ponteiros do tempo como
pintou o Armando Magno
Deixa-me ser a Mulher pedra, terra,
norte, Gaia
Com a cor o movimento o espanto que
tu viste à Anabela
Deixa meu amor ao fim do dia ser
gaivota dourada do Mestre Zé
Rodrigues
Para repousares no meu corpo feito
cais
Deixa que a saudade de um tempo no
tempo
Volte a ser realidade e o tempo
seja Hoje
Deixa amor os teus olhos profundos
como um rio
Recolherem-se nos meus olhos; e
fica-te em mim
Deixa que os nossos corpos sejam
fogo
Para nele nos fundirmos dos pés até
ao beijo
Deixa meu amor que os nossos corpos
sejam um só beijo
E neste fusão dos corpos em
Harmonia
Tal Cânone dos sentidos e aconteceu
o espanto
O espanto em que fiquei quando te
vi e toquei
Com os meus olhos feitos dedos
Em ti feito estátua de bronze
Tal
Cânone da Harmonia
Tudo aconteceu
Quando vi
Obra da escultura Margarida Santos
“Cânone da Harmonia”
Aurora
Gaia
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