terça-feira, 13 de dezembro de 2011

COMO QUEM FAZ ESCULTURA


COMO QUEM FAZ ESCULTURA

Constrói-se o poema
ao jeito de quem faz uma estátua.

É necessário uma ideia forjada no coração,
para que o impulso da emoção
ilumine,
incendeie,
entusiasme,
dê cor e forma
àquilo que se quer fazer.

Decide-se então o material
em que a ideia há-de encarnar
e ganhar corpo:

o barro, o granito, o bronze…
ou as palavras.

Palavras…

… nunca ao acaso,
mas selecionadas
entre os inúmeros milhares
da reserva vocabular da língua.

… eficientes,
prestando-se a traduzir
aquilo que vai cá dentro,
e se quer compartilhar.

… e têm de se harmonizar,
de se afeiçoar umas às outras,
encaixar-se,
equilibrar-se,
evitando aliterações,
hiatos,
repetições,
cacofonias desajeitadas.

Fazer poemas
é pôr em pé estátuas de liberdade e de palavras,
em que as correcções
e os amiudados retoques
dão a sensação de um eterno recomeço.

E o poeta não desiste. E persiste.
E não se cansa,
nem descansa
enquanto não der fé no poema
daquela musicalidade a romper
que há-de aconchegar os ouvidos

como água de um ribeiro,
o cantar do rouxinol
ou o riso da criança!
    
  Miguel Leitão
in “O tempo e as coisas”

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