terça-feira, 13 de dezembro de 2011

NERUDA


NERUDA

Os poetas definham ao entrar nos Ministérios
como certas plantas no ar condicionado.

Os poetas morrem ao entrar nos Ministérios
não sem antes se tornarem avestruzes
e por isso é melhor ser bem desconhecido
viver rente ao solo, longe de altas luzes
que quanto mais fortes maior sombra fazem
e o poema nem sempre se torna bem querido
e vale mais na gaveta que nos cemitérios.

Os poetas perdem-se ao entrar nos Ministérios
que a Poesia não sabe coexistir na Banca
feita de outra carne, outra moral, outros critérios
diluídos furores, salvando vidas onde a morte empanca.
Um poeta senhorio? Agiota? Legionário?
Não pode existir, é impossível.
O poeta é benfeitor dos espíritos, o poeta é visionário
e o seu melhor som é inaudível…

Quantos passos já dei neste mundo? Quantos caminhos percorri?
Quantos cães me farejaram, quantos insectos calquei sem querer,
quantas luzes se apagaram no meu passar
quantas outras se acenderam para que fosse visto?
O meu caminho solitário nunca foi sozinho
apesar das aldeias, apesar dos quintais,
quantas vidas passei e voltei a passar
neste destino sem destino que calcurreei.

Do fulgor juvenil à calma do adulto
do interesse das plantas à escolha lúcida
quantas vezes passei nestes árduos montes
quanto pó trouxe comigo às cidades
só os meus pés sabem deste andar penitente
desta ânsia de saber sem ser pelos livros
de tocar essas árvores, essas ervas picantes
esses risos de pássaro, esse odor campestre
onde o olhar atenua a alma transbordante.

Este calor de incêndio que nos faz bem
que nos refresca as ideias quando saem a ferver
esta falta de moral que ataca o pobre
esta falta de tempo para ser bom
este passado que mexo e que não tivemos
porque dele desesperamos quando era
e nos deixou neste presente amargo
a revirar os olhos de cansaço
imaginando oásis de carteiras cheias,
este calor das gélidas palavras
dos nomes que esqueci de tanto me faltarem
dos buracos na memória, nos bolsos, no telhado
e das onduladas frases que consomem
todo o ar dos campos, todo o oxigénio
enquanto me sento neste Café obscuro
à espera dum lápis que alguém me traga
e talvez com ele nada escreva…
                             Fernando Morais
in “O poeta escondido”

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