POEMA DA
MULHER DE CABELOS BRANCOS
A mulher
dos cabelos brancos estava à janela do primeiro andar
com os
antebraços poisados no parapeito.
Tinha um
xaile de malha sobre os ombros,
cruzado
à frente e as mãos metidas nele.
Quentinha,
a mulher dos cabelos brancos.
Postada
à janela,
muito
ocupada em fazer coisa nenhuma,
com os
antebraços poisados no parapeito,
a mulher
dos cabelos brancos
só
seguia com os olhos quem passava na rua.
Ela
nunca tinha ouvido falar de Aristóteles,
nem no
Descartes, nem no Sigmundo Freude,
mas
sabia coisas concretas que a vida prática lhe ensinara.
Sabia
que a Eva tinha sido feita
de uma
costela de Adão,
o que se
prova
por os
homens terem uma costela a menos do que as mulheres.
E também
sabia que o Sol anda à volta da Terra
como é
evidente.
e que as
salamandras vivas,
postas
no fogo,
não
morrem nem sequer se queimam,
o que
não é evidente mas é certo.
E por
saber todas estas coisas,
e muitas
mais,
a mulher
dos cabelos brancos sentia-se muito quentinha
com os
antebraços apoiados no parapeito.
Eis que,
porém,
o
relógio do tempo despertou-a.
Então,
pausadamente,
a mulher
dos cabelos brancos ergueu o busto,
fechou a
janela,
e foi
sentar-se na cadeira do costume,
aconchegadinha,
a ver a
televisão.
António
Gedeão
in “Poemas Escolhidos”
lido
por Maria Augusta Silva Neves
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