Joaquim Durão
É do seu tempo? (II)O barulho do eléctrico, ronceiro, quase preguiçoso, cheio de operários pendurados na porta de trás para fugir ao revisor e, é claro, ao bilhete de doze tostões?
O cantar das soletas dos trabalhadores da Calandra e da Fábrica dos Pregos, que anunciavam mais um dia de trabalho?
A loja do senhor Albertino Cadete, na esquina do Bonfim com Pinto Bessa, que vestia os mais endinheirados?
A padaria Industrial e a “sêmea” que ajudava a enganar o estômago e compunha a marmita, quando as sirenes da Cigarreira ou da Lionesa davam o sinal?
O talho da Beatrizinha, a primeira senhora que conheci com carta de condução?
O velho Espanhol, pai do Manolo, que vendia frasquinhos de perfume às “mulheres de fábrica”?
O armazém de papel velho que era o ganha-pão de muitas farrapeiras?
O senhor Cunha que fazia luxuosos colchões de folhelho?
A chapeleira do senhor Duarte, que também era fiscal no cinema Olímpia, em Passos Manuel?
O soleiro, onde os sapateiros tinham conta corrente para comprar o material de que necessitavam e também onde as lavadeiras guardavam as trouxas, compravam alpercatas com que calcorreavam as ruas da cidade sem pagarem multa por andar descalças?
O fotógrafo “à la minute” e o Fortinho engraxador estabelecidos no Campo 24 de Agosto?
A drogaria do senhor Costa, na esquina do “Campo”, onde se iam comprar as agulhas para desentupir os bicos das máquinas a petróleo e pequeninos frascos de glicerina para as mãos, porque o frio as gelava e gretava.
A dona Maria das miudezas, com as filhas casadoiras, onde muito jovens se juntavam para “grandes noitadas”… até às 22 horas?
Se calhar nada disso é do seu tempo.
Eu guardo, da minha rua, estas imagens, os sons, os odores e os sorrisos.
Em 2004, a minha rua tem casas abandonadas e residenciais de pouca permanência.
Não me parece que haja mais alegria, mas eu ainda gosto da minha rua.
Maria de Lourdes dos Anjos
in Nobre Povo
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