Rosa Elvira Caamaño
A MINHA NOSSA SENHORATinha três ou quatro anos.
Era dia de aniversário
E minha mãe me ofereceu
A Santa Virgem do Céu
Com um pendente rosário.
Feita toda de madeira,
Trabalhada toda à mão,
É já velha a minha imagem!
Tanta labuta ao serão,
Tal cuidado e tal canseira
Teria dado ao fazer
Para eu a poder ter
Entre flores e folhagem
Ao lado da cabeceira!
Sua mão tem estendida
De onde o rosário lhe cai.
Parecia que, ao deitar,
Ficava triste, ofendida,
Se as contas não passasse,
Uma a uma, pela mão,
Uma conta… uma Avé-Maria.
Nenhuma noite fugia
A tão fiel devoção.
Passaram anos, cresci…
E para longe de ti.
Deixei meu ninho, meu leito,
E a minha Nossa Senhora,
Bela prenda protectora,
Que me dera minha mãe,
Deixei também.
Esquecida,
Foi varrida do meu peito!
Certa vez, voltei ao lar.
Notei, então, ao deitar
Que o rosário tão belo
De matéria argêntea, prateada,
De crucifixo amarelo
Estava negro, mui negro
Com a prata embaciada!
Corri as contas nos dedos,
Quis rezar…já não sabia.
Contrito, atormentado,
Fui depô-lo, febrilmente,
Na mão da Virgem Maria
Para me ajoelhar ao lado.
Alcei os olhos. Que vi?
Duas lágrimas derramaram
Os olhos da Senhora,
Dádiva de aniversário!
Que alegria senti
Quando as contas do rosário
Que lhe descia da mão
Uma a uma se limparam!
Seria do pranto da Virgem,
Ou da minha contrição?
Miguel Leitão
in Em nome das palavras
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