quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A PONTE DO FUTURO

Adrian Bayreuther
A PONTE DO FUTURO

E era a ponte como se fosse estrada
larga, mais larga que a Avenida

Era a ponte do amor e da esperança
vinha ali a meio da encosta
por cima dos telhados da Calem
e desaguava, garrida, no Largo de São Domingos.
Essa ponte dedicada ao povo
tinha passadeira
rolante
para dar um ritmo ao peões
no seu andar de muitos passos.
Quem ia para o Porto tinha tempo de tomar
e seu café com leite e pegar de passagem
uma torrada quente. Para isso havia
uma mesinha
individual, automática,
em inox, que saía por mágica,
da grade da ponte, à altura das nossas mãos.

Nem moeda nem ranhura, nem pessoal de apoio
a mesinha aparecia assim que era preciso
respondendo apenas ao desejo de quem mais
precisava. O passeante sorria encantado e esse sorriso
era a paga que a ponte aguardava, - quanto custa?
Apenas um sorriso! Do outro lado, do Porto para Gaia
era a mesma coisa pelo mesmo preço…
trémula, a mesinha saía, o descafeinado fumegava
e o pastel de cenoura apresentava-se
com guardanapo e tudo…
nem faltava o adoçante. O tapete rolante silencioso
lento para todas as idades era macio como a seda
e veludo. À noite as mesinhas não saíam
ou, então, de surpresa, traziam um minúsculo
cálice de licor algarvio de medronho.
A ponte iluminava-se numa festa de luzes
e ouvia-se a voz de Dulce Pontes na
“Canção do Mar”.

Outras vezes ouvia-se a guitarra do Carlos Paredes;
às segundas, terças e quartas, a ponte funcionava
a toda a largura, só para pessoas a pé ou de
bicicleta a pedais. À quinta e sexta ficava mais estreita
mas tinha imagens de Pintura de Malhoa, de Manuel
Ribeiro de Paiva e de Silva Porto. Eram painéis
de vídeo que se iluminavam quando queriam e ao gosto
de alguém ainda desconhecido. Tal como os
pequenos almoços, que surgiam assim, inopinadamente.
Aos sábados e domingos a ponte estava em festa,
a passadeira rolante circulava numa dança que
acompanhava a música de Zaca Afonso e a
recolha de ritmos populares de Fernando Lopes Graça!
Fenómeno curioso: as pessoas davam-se as mãos
ao atravessarem aquela ponte e um misterioso
sorriso de felicidade abria-lhes o rosto…

Fernando Morais
in "Quadrar – apontamentos do quotidiano"
lido por Eduardo Roseira

Sem comentários:

Enviar um comentário