sábado, 1 de outubro de 2011

O PORTO É SÓ


O PORTO É SÓ

O Porto é só uma certa maneira de me refugiar na tarde,
forrar-me de silêncio e procurar trazer à tona algumas
palavras, sem outro fito que não seja o de opor ao corpo
espesso destes muros a insurreição do olhar.

O Porto é só esta atenção empenhada em escutar os passos
dos velhos. Que a certas horas atravessam a rua para
passarem os dias no café em frente, os olhos vazios , as
lágrimas todas das crianças de S. Vitor correndo nos
sulcos da sua melancolia.

O Porto é só a pequena praça onde há tantos anos aprendo
metodicamente a ser árvore, procurando assim parecer-
-me cada vez mais com a terra obscura do meu próprio
rosto.

Desentendido da cidade, olho na palma da mão os resíduos
da juventude. E dessa paixão sem regra deixarei que uma
pétala pouse aqui, por ser tão branca.

Eugénio de Andrade
in "Vertentes do Olhar"
lido por Alzira Santos

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