sábado, 1 de outubro de 2011

PAI


PAI    

Há estes dias, pai, em que escrever é tirar sangue
dos acentos tónicos das palavras a frio

vivo e revivo nelas como tu
sementes de emigrante na Internet

trago contigo malas e sacos rotos por
onde se podem construir sonhos e carinhos

Pai
no céu também se fala este português
raro e puro?

Pai és o meu Buster Keaton o meu Chaplin
e Lisboa das mil e umas luzes é o teu piano

nunca me senti tão ridículo a escrever um poema
porque verdadeiramente só a ti te amo

eu sei que és jardineiro espacial ainda
plantas alfaces espaciais em Marte e na Lua
culturas biológicas para os nossos astronautas

construíste mesmo um mercado onde Beethoven e Bach dão
pão aos emigrantes, aos rejeitados, aos excluídos
eu sei que tocar piano para ti com mãos de anjo
é fácil e será hoje Chopin antes da chuva, em Faro
na Av." 5 de Outubro n.°A com a estrada de Olhão

Pai
eu espero enviar-te, daqui a pouco, a última dos Rolling Stones e
Pai
quando dizem que os anarquistas não amam a família…

ambos nos amamos pai e as violetas são verdes
nas minhas lágrimas, em todos os dias do ano

se não fosse por ti nunca escreveria

Nada há

Pai
melhor que estarmos de mãos dadas
descendo de branco a liberdade das avenidas
ou tocando tamborete nos coretos. Eu farei de
palhaço pobre como sempre tu de músico
até encontrarmos aquela estrela a que sempre todos
procuramos desde que nascemos o sorriso

a gargalhada da criançada

oh! Pai dançaremos até lá de olhos fechados e felizes
como uma família cristã, hippie e comunista

se uma família não é isto
que será uma família amada pai?

eu sei que é pouco mas ciganos somos e seremos

Sempre
pai

José Gil,
in "Fractura Possível
Edíum Editores, 2008
           lido por Eduardo Roseira

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