PAI
Há estes dias, pai, em que escrever é tirar sangue
dos acentos tónicos das palavras a frio
vivo e revivo nelas como tu
sementes de emigrante na Internet
trago contigo malas e sacos rotos por
onde se podem construir sonhos e carinhos
Pai
no céu também se fala este português
raro e puro?
Pai és o meu Buster Keaton o meu Chaplin
e Lisboa das mil e umas luzes é o teu piano
nunca me senti tão ridículo a escrever um poema
porque verdadeiramente só a ti te amo
eu sei que és jardineiro espacial ainda
plantas alfaces espaciais em Marte e na Lua
culturas biológicas para os nossos astronautas
construíste mesmo um mercado onde Beethoven e Bach dão
pão aos emigrantes, aos rejeitados, aos excluídos
eu sei que tocar piano para ti com mãos de anjo
é fácil e será hoje Chopin antes da chuva, em Faro
na Av." 5 de Outubro n.°A com a estrada de Olhão
Pai
eu espero enviar-te, daqui a pouco, a última dos Rolling Stones e
Pai
quando dizem que os anarquistas não amam a família…
ambos nos amamos pai e as violetas são verdes
nas minhas lágrimas, em todos os dias do ano
se não fosse por ti nunca escreveria
Nada há
Pai
melhor que estarmos de mãos dadas
descendo de branco a liberdade das avenidas
ou tocando tamborete nos coretos. Eu farei de
palhaço pobre como sempre tu de músico
até encontrarmos aquela estrela a que sempre todos
procuramos desde que nascemos o sorriso
a gargalhada da criançada
oh! Pai dançaremos até lá de olhos fechados e felizes
como uma família cristã, hippie e comunista
se uma família não é isto
que será uma família amada pai?
eu sei que é pouco mas ciganos somos e seremos
Sempre
pai
José Gil,
in "Fractura Possível
Edíum Editores, 2008
lido por Eduardo Roseira
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