terça-feira, 12 de abril de 2011

ESTÓRIA DE UMA TANGERINEIRA

ESTÓRIA DE UMA TANGERINEIRA

Como gosto de tangerinas
e de tudo que a terra dá,
fui ao Moreira da Silva;
eram ainda franzinas…
mas a melhor que estava lá,
bela como a madressilva,

foi a que trouxe comigo.
Chegava a casa plantei-a,
fiquei vaidosa ao olhá-la…
Como se fosse um amigo,
fui buscar água, reguei-a
e pus-me a imaginá-la,

toda verde e amarela,
cheia de frutos maduros!
Lá foi crescendo o citrino…
Eu, ciosa, a tratar dela.
Os anos passaram duros
e nem por baixo,  nem no cimo

Não há flor, nem há fruto.
Mais um ano, dois e… nada!
A árvore já é enorme;
eu coa alma de luto,
triste e desesperada,
penso que ela só dorme…

Sempre ouvi em pequena,
dizer lá no meu rincão,
que a citrino malandro
não se lastimava a pena.
Dava-se um bom esticão
só com fueiro a “tratando”!

Eu ria, não acreditava,
mas o tempo ia passando
e de tangerina, zero.
Decidi que a derrubava;
grita uma amiga chegando:
- não faças isso, não quero!

Eu vou falar com Anselmo;
e Anselmo, marido dela,
veio. Um jovem robusto
e, com ar nada terno,
lá vai mudando a farpela
e quase me prega um susto…

bate num assomo de ira
com uma senhora moca
no pobre tronco altaneiro;
minha cabeça delira…
cada pancada que toca
soa como um pandeiro.

Parecem ais ecoando
no sossego do quintal;
depois, lá atrás, nuns arrumos,
como quem vai procurando
algo mais para o ritual,
põe-lhe nos ramos, a prumos,

paralelos encaixados
nos cruzamentos dos ramos,
bem presos, pra castigar!
Os ensaios terminados
fiquei mais velha uns anos,
só me restava esperar.

Passou um ano e, então,
há um perfume agradável
no raiar da primavera.
Olhei em volta, que sensação!...
Vejo o inacreditável,
com neve em cima dela.


Mais um tempo, a brancura
vai ficando amarela,
nuns frutos arredondados.
Colhi uma, que doçura!
Agora me orgulho dela!
E acabaram os cuidados.

Isto vem provar apenas
que se aprende até morrer
no grande saber do povo!
Quilos e quilos, às dezenas,
todos as querem comer;
morri e nasci de novo!

Atrevo-me a afirmar:
tantas folhas, tantos frutos,
árvore incompreensível…
Tanto tempo a hibernar
pra depois quebrar os lutos
e me dar o impossível!

Dou aos vizinhos tangerinas,
aos amigos mais distantes,
à família, a quem mas pede…
Moreira da Silva; as sinas,
às vezes são diamantes
no tempo que não se mede!

                                                 Maria de Lourdes Martins

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