No pequeno país onde nasci
havia harmonia nas ruelas
Depois o mestre tempo mudou fisionomias
e a moral das suas gentes
Todos se puseram a roubar e aos gritos
a puxarem doidos pelos infinitos
a rasgarem o tecido dos espíritos
e ficaram como pedras, mudos, gastos
outros mitos vieram
encheram as vielas
plantaram bandeiras esfarrapadas
e as mulheres da vida passaram a ser
as mulheres da morte e da sida
e nunca mais houve trigo como havia
e nunca mais a terra foi plantada
e nunca mais se chamou pela Maria
O mestre tempo que mudou fisionomias
retirou-lhes a calma e a harmonia
meteu-os no caixote e na enxovia
meteu-os na prisão, chamada casas
apartamentos sem sol, sem alegria
numa vida de sombras poluídas
Neste pequeno país onde nasci
crescemos pelas unhas e cabelos
a gastarmos a vida com doenças
a comermos um almoço de crenças
a rasgarmo-nos por dentro me desavenças
e nunca mais se chamou pela Maria
Não se passou um ano, mais que um dia
não se passou um século, mais que um mês
neste pequeno país, dorido, rouco
onde a voz dos seus homens violentada
acabou por se calar no dinheirame
acabou por se matar num tal derrame
e ficou a Maria sem madame
e nunca mais as ruas se fizeram
para ter a gente a pé a andar nelas
encerradas nas suas auto matanças
e em vez de Cultura, só cagança
só ódio em vez de vizinhança
Alguns ainda lutaram pr’a virar de rumo
alguns ainda tentaram pôr-se bem e a prumo
(foram todos mortos pelo fumo
dos profissionais da política)
esta história, meus amigos,
é uma história macaca
e acaba aqui com a Maria
que nunca mais se viu…
Fernando Morais
in “Um Estalo na Modorra”
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