sábado, 30 de abril de 2011

A LEÃO XIII

A LEÃO XIII

Ó Padre Santo! Meu Irmão! Ó meu amigo
Do velho mundo antigo
- Dá-me consolação, e prova-me que há Deus;
Resolve-me a equação estrelada dos céus;
Admite-me ao Conselho amigo dos Cardeais:
Deixa-me ler, também, na letra nos missais!
Muito que te contar! Não conheces o mundo?
Nunca desceste, padre!, a esse poço profundo?
Metido nessa cela ideal do Vaticano,
Há quanto tempo tu não vês o Oceano?
Nunca viste um bordel! Sabes o que é a desgraça?
Ouviste, acaso, o “pschut”! delas, a quem passa?
Sabes que existem, dize, as casas de penhores?
No teu palácio, há, porventura, amores?
Viste passar, acaso um bêbado, na rua?
Já viste o efeito que na lama imprime a lua?
Ouve: tiveste já torturas de dinheiro?
Já viste um brigué no mar? Já viste um marinheiro?
Que ideia fazes tu das crenças dos rapazes?
Já viste alguém novo, Padre? Que ideia fazes,
Santo Leão!, do Boulevard dos Italianos?
Recordas com saudade os teus vinte e três anos?
Ó Leão XIII! Ó Poeta, essa é a minha idade!
Como tu vês, estou na flor da mocidade!,
Ainda não contei metade de cinquenta.
Começa-me a nascer a barba, o mundo tenta
A minha alma: ah, como é lindo esse Demónio!
Nasci em Portugal. Chamo-me António;
Tenho sido um infeliz…
Um vento de desgraça atirou-me a Paris.
Em pequenino, Padre, ajoelhado na cama.

A erguer as mãos a Deus, ensinou-me a minha ama!
Sabia de cor mil e trezentas orações,
Mas tudo esqueci no mundo, aos trambolhões…
Nossa Senhora te dirá se isto é assim!

- O que há-de ser de mim?

Lá vem a Carlota que embala uma aurora
Nos braços, e diz:
“Meu lindo Menino, que Nossa Senhora
O faça feliz!”

E António crescendo, sãozinho e perfeito,
Feliz vivia!
(E a Dor, que morava com ele no peito,
Com ele crescia…)

Mas foi a uma festa, vestido de anjinho,
Que fado cruel!
E a António, calhou-lhe levar, coitadinho!
A Esponja do Fel…

Vieram as rugas, nevou-me o cabelo
Qual musgo na rocha…
Fiquei para sempre sequinho, amarelo,
Que nem uma tocha!

E a velha Carlota, revendo-me agora
Tão pálido, diz:
“Meu pobre Menino! que Nossa senhora
Fez tão infeliz…”

António Nobre (1867-1900)
lido por Fernanda Cardoso

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