DECEÇÃO
Pensei que a tua chegada
fosse um raio de sol quente
a derreter velhos gelos
acumulados no tempo
e que eu pudesse renascer…
Pensei que a tua chegada
fosse a aurora boreal
com franjas rubras, doiradas,
que a cintilar-me nos olhos
me trouxesse uma luz nova…
Pensei que a tua chegada
fosse um cântico de festa
a pôr travão à tristeza
e a estancar fortes barulhos
que me ferem os ouvidos…
Pensei que a tua chegada
fosse aroma de jasmim
a reconfortar as narinas
e a afastar fétidos cheiros
da vida que se dissolve…
Pensei que a tua chegada
fosse veludo macio
como pétalas de rosa
a roçagar pela pele
e a curar chagas de outrora…
Pensei que a tua chegada
fosse um celeste manjar
que me nutrisse o viver
e me deixasse na boca
o travo a mel e a ambrósia…
Pensei que a tua chegada
fosse uma lufada de ar fresco
a arejar-me por dentro
e que as encruzilhadas da alma
vissem germinar a esperança…
Pensei…
Pensei que a tua chegada
fosse AMOR…mas não foi!
A tua chegada
nem foi sol, nem foi aurora.
Não foi canto, nem jasmim,
nem veludo, nem manjar.
A tua chegada
não foi ar fresco nenhum.
A tua chegada
foi uma fraude,
uma promessa, sem
intenção de ser cumprida,
uma largada de fogo, a anunciar
festejos inexistentes.
A tua chegada
foi espuma a transbordar da taça
sem ter champanhe por baixo,
foi publicidade enganosa,
foi a negação completa
de que “pela aragem
se possa saber, algum dia,
quem é que vai na carruagem”!
Miguel Leitão
in "O tempo e as coisas"
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