quarta-feira, 8 de junho de 2011

2º POEMA


2º POEMA

A angústia deste drama não é só paralisar cidade
É que pesam milhões de folhas sobre frágeis casas
Árvores vergam ao peso de vingativos poemas
E como é noite ninguém acredita, ninguém sabe

Amanhã de manhã será tarde, tem de vir o exército
Para limpar cidade desta avalanche de papel escrito
E soldados terão uma venda nos olhos para não lerem
O poema que queimam nas fogueiras imensas

Operários na greve forçada da poesia caída
Serão chamados pelo governo de salvação nacional
Serão feitos apelos patrióticos a todos os cidadãos
Para que queimam tudo o que seja papel de poemas

Salvemos a nossa civilização cristã e ocidental
Deste cataclismo de folhas insensatas que dizem paz
Reguemos com petróleo as ruas estradas avenidas
Queimemos até os vales, campos e montanhas…

Que não fique um só papel destes para ser lido
Que não fique um só rascunho, uma frase, uma palavra
Vingança sobre todos os poetas, mesmo sobre os livros
Aproveitemos oportunidades para limpar a nossa terra.

Isto é a arma da reacção literária cripto-comunista
Diz o primeiro ministro no discurso inflamado
É já dia, a cidade está paralisada, aturdida
Crianças não podem ir à escola receber bofetadas.

Bombeiros repousam extenuados sobre montanhas de papel
Um deles lê à sucapa folha caída sobre seu nariz
De olhar perdido fixa o fumo negro ao longe tosse
Dobra a folha em quatro mete no bolso gesto decidido

Reúne conselho ministros meio dia com ministeriáveis
Alguns generais sobram dos que deram em doidos
Aviação continua a bombardear mas gasolina acabou
E agora há gente que discute sobre altos telhados

Operários começam a dizer: Basta! O flagelo das fogueiras
É pior que os poemas, todos lêem voz alta, confusão
Crianças correm sobre chão de versos pelo quarto andar
Nesta cidade louca que não pára de crescer

O rio deixou de correr absorvido pela massa poética
Grupos atravessam margens fora da ponte construída
Já tudo lê avidamente cada página e comenta e ri
Porque afinal dinheiro nos Bancos nada serve

Velocidade autos riquezas palacetes tudo coisas inúteis
Actualmente poesia dominou cidade laboriosa
Os mais pobres fazem percursos tão rapidamente
Como os mais ricos de ontem esverdeada raiva


O padre manda rezar diz todos de joelhos
O chefe polícia manda queimar diz todos sentido
Um poeta e um músico escondem caixas de fósforos
E doentes de hospital trazem camas ao terraço.

Médicos dão versos para curar bronquites asma
Velhos de asilo riem satisfeitos tão grande mudança
E sol poente cobre atmosfera de laranja carmim
E um pássaro azul atravessa ao longe o horizonte.

Fernando Morais
in A Cidade Ocupada pela Poesia

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