CHAVE ENFERRUJADA
“Em junho, seitoira em punho”.
- A sabedoria popular
a apontar
que é a hora chegada
de colher o cereal
que há-de ser o pão do corpo
e da alma.
Pelos vistos,
a carne de Jesus Cristo
servida à mesa sagrada.
Aí se ajoelham os noivos
talhados por Santo António
enquanto ao som do harmónio
e ao calor das fogueiras
ateadas por S. João,
bailam as moças solteiras,
louças.
O ar cheira a erva-cidreira,
a manjerico e a hortelã.
E cada coração,
seu balão,
insuflado de amor,
de paixão,
quase mesmo a rebentar.
S. Pedro lá vem, por fim,
cabisbaixo e maldisposto
sopesando a chave negra,
enferrujada
com falta de serventia:
ninguém bate à sua porta!
Anda o mundo descomposto
e os homens, nesta via,
só fazem o que não devem,
mostrando não ter juízo.
Tais os erros que cometem
que comprometem
a entrada no paraíso.
Miguel Leitão
in "O tempo e as coisas"
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