VAGAS SOBRE VAGAS
Nestes breves momentos sou, respiro,
saudosa dos que já antecederam
e rezo orações neste retiro
aos setenta e dois anos que morreram.
Quantas vidas vivi numa só vida!...
Quantos rastos de sangue dei ao mundo!
Agora fico exangue, estarrecida,
à espera do meu trágico segundo.
O antes e o depois, pólos contrários,
e pelo meio a vida, o que restou;
ai como adoro os bens hereditários
perdidos no depois onde não sou.
São pólos que se tocam, se entrelaçam,
todos os dias me levam para o nada…
Quando a noite me abraça, as dores descansam,
ensaio a morte em cada madrugada!
Porque me apego tanto aos bens terrenos
e me definho em rugas, sempre aos ais?
Porque não são meus dias mais serenos
se o antes e o depois são tão iguais?
Só aos deuses pertence a eternidade.
Nós somos fogos-fátuos, lama e pó.
Ontem rasguei um corpo, é já saudade…
hoje morro de espanto, triste e só.
Se o ventre que me trouxe jaz também,
vencido pelas vagas desta guerra,
eu sigo obediente minha mãe,
pró infecundo ventre, sob a terra!
Maria de Lourdes Martins
in Castelo de Legos
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